O silêncio das guitarras
\t\tMariza nunca foi uma fadista tradicional. Em Fado em Mim (2002) já se ouviam trompetes. Fado Curvo (2003) confirmava-nos que esta voz poderia ser tão pop ou jazzy quanto tradicionalmente lisboeta. E em Transparente (2005) consolidavam-se diferentes identidades numa só, sob a luminosa produção de Jacques Morelenbaum. O regresso aos discos de Mariza faz-se com Terra, o menos canónico de todos os álbuns editados pela cantora e, ao mesmo tempo, a “nova etapa” mais óbvia e coerente.
Terra é um exercício de interpretação. Mariza sempre viu no fado o início da viagem por refrões e danças. Foi avisando que a canção de Lisboa deveria revelar as alegrias de um Portugal feito de encontros e viagens, não de tristeza e saudade. Encarnou esse princípio e levou-o pelos palcos internacionais, descoberta como diva exótica. Com o novo Terra, este “ser internacional” quer tornar-se cada vez mais no seu habitat definitivo. E esta á a cantora que se faz exemplo de adaptação musical, assimilando e tornando pessoais diferentes linguagens.
Mariza é voz de canções, partindo do duelo com a guitarra portuguesa para cultivar gostos seus e propostas de outros. O flamenco atravessa Terra, através de guitarras e percussões. Javier Limón é aqui produtor e compositor. Convida Concha Buika para colorir Pequenas Verdades e dizer que o fado pode ser raiano. Com os olhos postos além-mar, cantam-se As Guitarras de Ivan Lins num piano-bar carioca. E assume-se a relação fraterna com a morna, em dueto com Tito Paris. Rui Veloso, Fernando Tordo e Paulo de Carvalho compõem. David Mourão-Ferreira, Pedro Homem de Melo e Florbela Espanca são recordados. E o fado de Mariza torna-se internacional como sempre quis e nunca o fora até aqui. Porque a sua voz se molda ao cuidado dos arranjos, ainda que polida ao detalhe por vezes menos emocional. Distante das exigências da tradição fadista. Mas Mariza nunca foi uma fadista tradicional.