Há uns bons anos, a série "Sexo e a Cidade" inspirou milhões de pessoas por esse mundo fora. Não a fazer mais sexo na cidade, mas a aceitar a cirurgia plástica como um dos caminhos possíveis para a imortalidade. Vem isto a propósito da crónica de hoje sobre decisões judiciais e a forma como elas podem revelar a personalidade dos seus autores. No fundo, o leitor pode encarar o texto de hoje como uma espécie de aviso, caso, num dia ou numa qualquer noite, iniciar "uma relação" (linguagem facebookiana) com um juiz ou juíza.
Convém é que seja novo (a). Porque, como em 2008 sentenciou o Supremo Tribunal Administrativo, isto do sexo não é para velhos, ao baixar o valor da indemnização a uma mulher com 50 anos, que ficou impedida de voltar a ter relações sexuais depois de uma operação na Maternidade Alfredo da Costa, em 1992. Para os juízes conselheiros, a mulher "já tinha 50 anos e dois filhos", isto é, "uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança". Isto é: um juiz de comarca ainda vai pensando em sexo, quando chega a desembargador nem por isso. E, se chegar a conselheiro, nem quer ouvir falar do assunto, dada a enorme quantidade de livros que tem para ler e os acórdãos para prolatar um acórdão. Há quem diga procrastinar. Uma vez mais, a jurisprudência divide-se.
Admitindo que as coisas entre o casal decorrem com a normalidade desejada, não fique espantado se o (a) magistrado (a) um dia lhe disser: "E que tal uma penetração total ou parcial do membro viril". Linguagem gongórica? Talvez. Mas foi assim mesmo que nos idos de 1990, o Tribunal da Relação do Porto definiu o ato sexual: "Segundo o actual Código Penal, deve entender-se por cópula o acto de penetração total ou parcial do membro viril na vagina da mulher ou acto análogo" (processo 0225435). Convenhamos que dito desta forma ainda pode confundir o interlocutor, porque ficará a pensar no que é o tal "ato análogo". A Relação do Porto deu a resposta: "Acto análogo não é qualquer acto parecido mas aberrante ou "contra natura", como coito anal ou bucal." Já repararam como a situação pode ser complicada?
Convenhamos que o comum dos mortais não emprega aquela gramática. E se, de num momento de maior excitação, se ouve qualquer coisa como: "O coito vestibular ou vulvar verifica-se quando o acto sexual, consubstanciado no contacto exterior dos órgãos sexuais masculinos e femininos atinge a consumação pela "emissio seminis"." O latim é tramado.
Digamos que entre magistrados e o resto da plebe há uma espécie de dialéctica conceptual acerca do ato sexual. É que se os segundos pouco ou nada percebem da "Língua" jurídica, os primeiros bem que podiam fazer um esforço em apreender os conceitos populares e traduzi-los com clareza e ponderação nos respetivos acórdãos. Bastava trocar os tijolos dos professores de Direito, os quais tentam explicar o que de mais simples há na vida através de uma série de conceitos enxertados da Física Quântica com aplicação nas Letras, por romancistas contemporâneos, que explicam a vida a tal como ela é: "É tão bom f...com quem se ama", Pedro Chagas Freitas, no "Prometo Perder".
Ou, como já analisou António Araújo no "Malomil" (http://malomil.blogspot.pt/2014/11/rodrigues-dos-santos-sexualidade-das.html), José Rodrigues dos Santos: "Tomás sentiu uma erecção gigantesca a formar-se-lhe nas calças. Incapaz de proferir uma palavra e com a garganta subitamente seca, fez que sim com a cabeça. Lena tirou todo o seio esquerdo para fora do decote de seda azul (...). A sueca ergueu-se e aproximou-se do professor; em pé, ao lado dele, encostou-lhe o seio à boca. Tomás não resistiu. Abraçou-a pela cintura e começou a chupar-lhe o mamilo saliente", no "Codex 632".
Sejamos honestos: é ou não de mais fácil compreensão sobre o que está em causa no processo com aquele tipo de descrição ou perante este: "O relacionamento sexual, ou seja, a existência de cópula carnal, decorre da prova de uma relação amorosa de amantismo entre homem e mulher, que perdurou cerca de dez anos" (Tribunal da Relação de Lisboa, 1993).
O horror de alguns juízes ao sexo não é de hoje. Já em 1978, o Supremo Tribunal de Justiça (processo 067352) condenou uma mulher pelo crime de injúrias por esta ter dito que o marido era "tarado sexual". A expressão, segundo os conselheiros, cria "a ideia de que a pessoa visada é portadora de aberração ou desvio sexual". Meus amigos, sexo com juízes, como bem poderia dizer a célebre personagem Diácono Remédios, só mesmo para a procriachãozzz...hum..