O seu nome era Indiana Smith

Há quase meio século George Lucas teve a ideia de criar um herói clássico, semelhante aos das velhas séries semanais com que cresceu. Agora que a saga Indiana Jones chega ao fim, vale a pena recordar como tudo começou.
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Imagine-se George Lucas e Steven Spielberg sentados numa praia do Havai, num fim de semana, a construir castelos de areia e a pensar no futuro. O primeiro estava fresquinho do lançamento de Star Wars, sem saber muito bem como lidar com os recordes desse filme inaugural, e o segundo, bafejado pelo gigantesco sucesso de Tubarão, terminara há pouco a rodagem de Encontros Imediatos do Terceiro Grau. "O que queres fazer a seguir?" Terá sido em resposta a esta pergunta de Lucas que Spielberg confessou o seu sonho de longa data de pegar no universo James Bond, não fosse a recusa da proprietária United Artists. Mas... e se houvesse um filme por fazer ainda melhor do que um James Bond? Um filme protagonizado por "um afoito e astuto professor universitário de arqueologia e caçador de tesouros em part-time chamado Indiana Smith?"

Mais coisa menos coisa, foi assim, tal como se relata na biografia de George Lucas, que este apresentou ao seu amigo e cúmplice das lides cinematográficas a personagem que lhe ocorrera durante a escrita do argumento de Star Wars, em 1974, quando a sua mente voava para outros lugares e referências, desviando-se do essencial. A conversa na praia deu-se em 1977, altura em que esse futuro dono de um império milionário já tinha tentado avançar com a ideia de Indiana Smith junto do realizador Philip Kaufman, que acrescentou um ponto contando-lhe uma história da Arca Perdida da Aliança, ouvida numa consulta de dentista... Kaufman acabaria por ser contratado por Clint Eastwood como argumentista de O Rebelde do Kansas (1976), mas o título Os Salteadores da Arca Perdida e a base de um enredo ficaram registados no bloco de notas de Lucas. Quando apresentou a ideia a Spielberg, nesta fase ligeiramente mais desenvolvida, só estava à procura do "sim" do realizador que considerava uma espécie de alma gémea sua (portanto, a pessoa ideal para a função), ficando ele no lugar de produtor e juntando-se à massa criativa Lawrence Kasdan, a cargo do argumento.

De onde vinha afinal este Indiana Smith? Nas suas explicações do projeto, Lucas falou sempre de uma homenagem às velhas séries semanais - como O Marinheiro Invencível (1942) -, imaginando um herói com pinta de Humphrey Bogart (o de O Tesouro de Sierra Madre), cuja figura se deveria destacar por adereços como um chapéu de feltro, um chicote e um casaco de couro. Tudo perfeito, tirando o nome: Spielberg não apreciava Indiana "Smith". Lembrava-lhe o western Nevada Smith (1966), com Steve McQueen.

O apelido "Jones" surgiu, assim, como um ajuste simples, já que para Lucas o que importava era ser um nome essencialmente americano. Foi também o produtor quem sugeriu o intérprete para a personagem, deixando a nota, pouco subtil, de que esta deveria ser encarnada por "alguém como Harrison Ford". Estava escrito nas estrelas... Mas no processo de definição da personalidade de Indy houve ainda um pequeno choque de ideias, com Lucas a imaginar a personagem como um playboy que caçava tesouros para sustentar uma vida extravagante e Spielberg a dar-lhe outra nobreza, desde logo, auxiliado pelo próprio Ford, que emprestou a Indiana Jones algo do seu específico charme humano e postura enérgica.

Posicionando-se como o título mais rentável de 1981, Os Salteadores da Arca Perdida dava início a uma série de filmes - Indiana Jones e o Templo Perdido (1984), Indiana Jones e a Grande Cruzada (1989) e Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008) - que, melhor ou pior, mas sempre pelo vigor da realização de Spielberg, evocam o espírito heroico dos clássicos filmes de aventuras, entre Raoul Walsh ou Michael Curtiz e as produções série B da Republic Pictures. Como se o realizador quisesse piscar o olho à era dourada de Hollywood, prolongando as suas referências e memórias cinéfilas numa figura com apelo instantâneo, que marcou gerações de miúdos e graúdos, despertando o fascínio pela ação na sua linguagem franca, "à antiga". Será a esse desígnio que Harrison Ford responde, por uma última vez, no novo Indiana Jones e o Marcador do Destino, sob a direção de James Mangold.

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