Daniel da Ponte: O senador americano que descobriu o amor numa festa em Rabo de Peixe
Neste verão, o DN republica algumas das reportagens integradas na rubrica sobre portugueses e luso-americanos de sucesso 'Pela América do Tio Silva'. Este artigo foi publicado originalmente a 20 de outubro de 2017.
Estou à conversa com Daniel da Ponte no Café Choklad, situado no cruzamento da Thomas com a Northern e tão próximo da Brown University que aposto que todos os clientes são estudantes tirando nós dois. Daqui, da colina que dá pelo nome em inglês de College Hill, avista-se o Capitólio de Providence, capital de Rhode Island. É lá que costuma trabalhar Daniel, senador estadual desde os tempos em que estudava ainda, em 1998. É sempre eleito pelo Partido Democrata, e, com o apoio da comunidade portuguesa, não dá hipótese a nenhum candidato republicano. Muitas vezes nem sequer tem rival, tal é o seu favoritismo.
"Desde 1959 que o distrito que eu represento aqui em Rhode Island tem sido sempre de um luso-americano. Eu em pequeno ajudava nas campanhas, no porta-a-porta, distribuía folhetos. Fui vendo como tudo dependia do contacto com as pessoas e com a mobilização. Um dia o meu antecessor decidiu candidatar-se ao cargo de tesoureiro do estado e abriu-se uma vaga, que aproveitei", conta este filho de açorianos - pai de São Miguel e mãe de Santa Maria - nascido já nos Estados Unidos.
"Nasci a 15 de fevereiro de 1978, uma semana após um dos maiores nevões que tivemos aqui nesta área durante muitos e muitos anos. É uma história que a família conta sempre. Já tinha passado a data e portanto com o nevão, e a não se poder sair de casa, os meus pais ficaram um bocado apreensivos. Não era só a neve, era também o vento. E não havia nem as máquinas nem os meios de comunicação de hoje em dia. Mas acabou por correr tudo bem", relata o político luso-americano, que cresceu em Providence e cá estudou sempre, fazendo o curso na Universidade de Rhode Island, a meia hora de casa. Tirou Gestão de Empresas e depois fez um mestrado em Planeamento Financeiro. "É na área financeira que trabalho. Costumo dizer que a política é uma parte da vida, o que põe comida na mesa é a minha atividade profissional", acrescenta Daniel, num português fluente onde se nota, porém, o sotaque de toda uma vida passada na América.
Os pais chegaram aos Estados Unidos jovens e mantiveram laços com os Açores. Um dia, Daniel foi convidado para as festividades da elevação de Rabo de Peixe a vila, uma grande honra para a terra do pai. E acabou por conhecer uma açoriana que estava na organização da festa e que hoje é a sua mulher e mãe dos seus dois filhos, António, de 8 anos, e Sofia, de 6. "Conheci-a e como se diz em inglês the rest is history. Namorámos quatro anos à distância, umas vezes indo eu lá, outras ela vindo cá. Casámos em 2007 e decidimos viver na América, mas ela não era a emigrante típica. Tinha o seu curso lá, era técnica oficial de contas, e estava à frente de uma empresa de contabilidade. Demorou um ano a tratar-se dos papéis e quando chegou o visto a médica já não deixou a Márcia viajar por causa da gravidez adiantada e o António acabou por nascer em São Miguel e só vir para cá aos 2 meses. A Sofia já nasceu cá", diz, acrescentando que em casa se fala português e que os miúdos andam numa escola onde as matérias são todas em inglês e português.
Márcia Sousa é hoje por direito próprio uma figura destacada da comunidade portuguesa pois concorreu a um cargo no consulado e depois ao de vice-cônsul e agora trabalha para o Estado português em Rhode Island. "São um casal muito bom", dizia-me umas horas antes Manuel Pedroso, dono da loja em Providence onde combinei o encontro com o senador estadual. Com 97 anos, e natural de Alvados, Porto de Mós, o Sr. Pedroso é uma das figuras mais queridas dos portugueses de Providence e o seu Friends Market um habitual ponto de encontro para os luso-americanos.
Sobre o falar-se português, Daniel diz que os portugueses do continente dão mais importância do que os açorianos: "A malta do continente, que eu admiro imenso, faz questão que os filhos falem português. Talvez porque chegam com a ideia de regressar um dia, enquanto os açorianos acham que vêm de vez. Mesmo que queiram que os filhos falem português não é com tanta garra. Querem mais americanizar-se." No caso de Daniel, além de aprender em casa com os pais, a mulher ajudou-o depois a aperfeiçoar-se. "Ela não falava comigo em inglês durante o namoro. Até por e-mail era em português e isso acabou por me ajudar. Eu fazia questão de aprender as frases, a conjugação dos verbos. Hoje falo melhor do que quando entrei na política", explica, a rir-se com a "teimosia" de Márcia, que lhe foi muito útil.
Daquilo que fez até agora na política americana, Daniel da Ponte destaca o tempo em que chefiou a comissão de Finanças do senado estadual nos tempos da crise: "Digo muitas vezes que fomos forçados a fazer reformas que podiam ter sido feitas há 20 anos. Por falta de recursos e de apetite para aumentar os impostos, tivemos de reduzir algumas despesas e reestruturar o código tributário. Reestruturámos o sistema de pensões dos funcionários públicos e isso gerou polémica. Os sindicatos não gostaram e procuraram vingar-se nas eleições." Mas o apoio ao luso-americano continuou sólido, até porque é o prestígio pessoal que conta mais do que o partido. "Aqui, a nível local, quase não há máquina democrata", explica.
Sobre as últimas presidenciais, o político democrata confessa que não era um grande entusiasta de Hillary Clinton: "Era mais um seguidor como democrata. Eu respeito imenso Hillary Clinton, respeito imenso Bill Clinton, e acho que em termos de capacidades ela era incomparável com Donald Trump. Tinha muito mais capacidade de desempenhar as funções de presidente. Infelizmente, acho que a realidade política de tudo aquilo que ela arrastava, por andar com o marido nisto há uns 30 anos ou mais, não a deixaria governar como quereria. Houve muita gente que pensou "epá, eu gosto do Bill Clinton, mas já chega. Ela já concorreu uma vez e perdeu com o Obama nas primárias, pronto." Havia cansaço da marca Clinton."
Sobre Trump, diz que muitos centristas votaram nele e ainda vão arrepender-se. Até porque, sublinha, o presidente "é imprevisível. Dependendo do dia, ele levanta a vela e vê como o vento está a puxar e a empurrar e vai para lá".
Daniel da Ponte diz ainda acreditar que a América é a terra das oportunidades, mas para quem trabalhar muito, "quem se sacrificar. Se for para trabalhar das nove às cinco é difícil". Está na hora de regressar à loja do Sr. Pedroso. O senador ficou de me dar boleia até lá, onde tenho encontro marcado com Onésimo Teotónio Almeida, professor na Brown University e outro admirador confesso de Daniel.
Em Providence