O sapo de Carybé não queria ser boi
Hector Páride Bernabó, filho de um andarilho da Toscana para quem o mundo era já ali, e de uma brasileira de Posadas, nasceu argentino até mais ver num outro 7 de fevereiro, há 110 anos, e foi juntar as primeiras letras em Génova até que a ânsia de mundo do pai o levou ao Rio. No Clube de Regatas do Flamengo deram-lhe o nome de um peixe da Amazónia e ficou Carybé para nossa alegria. Trabalhou com Cortázar em El Diario, tocou pandeiro para Carmen Miranda, ilustrou todas as edições brasileiras dos livros de Gabriel García Márquez a partir de Ninguém Escreve ao Coronel e um dia ficou preso a uma cidade.
O amigo Rubem Braga explicou a coisa assim: "Carybé não se inspira na Bahia, é a Bahia que se inspira em Carybé." O grande cronista chegou a imaginar que os baianos se transfiguravam nos desenhos de Carybé, o "Capeta Carybé", como lhe chamou Jorge Amado, amigo superlativo.
Pintou baianas e cangaceiros, brigas de galos, lutadores de capoeira, índios na rede, a respiração da Bahia. Enquanto mudo de parágrafo, espreitai o Enigma das Nuvens, de 41, ou a Pelada, de 50, uma estranha geometria dos corpos jogando futebol na praia. Demorai-vos, não há pressa.
E agora, os sapos. No início da Navegação de Cabotagem, Amado conta que Carybé tinha um enorme sapo de cerâmica, no jardim. Um dia, Carybé não estava, Jorge levou o sapo para juntar aos tantos que povoavam a sua casa. Amado conta, na prosa de 88: "Até hoje, Carybé não deu conta do roubo, espero que jamais o descubra." E solta a memória: "Logo que viemos morar na Bahia (...) um sapo-cururu habitou no jardim, numa espécie de tanque." Era um sapo-cururu vivo, "nos dias de muita chuva abrigava-se na varanda onde cantava a sua alegria de viver". O sapo-cururu podia ter saído do poema em que Manuel Bandeira goza com os parnasianos. Já o de Carybé era de barro e isso provocava nele, garante o amigo, uma inveja tremenda. Certa vez, Zélia gravou o coaxar do cururu. Quando visitaram Carybé num dia de chuva, ligou o gravador dentro da bolsa. Escreve Jorge: "Os olhos de Carybé se iluminaram: - Tão ouvindo? Tem um cururu vivendo no jardim. Precipitou-se escada abaixo, sob a chuva, até hoje procura seu sapo-cururu."
Carybé tinha um sapo de cerâmica no jardim, mas não era para afastar ninguém. Era só para chamar os outros sapos que não queriam ser boi.
Jornalista. Escreve de acordo com a antiga ortografia.