O sandinista que pisca o olho aos antigos aliados
Daniel Ortega. Nos anos 1980, o revolucionário chegou ao poder e contou com o apoio dos russos na guerra contra os 'contras', suportados pelos EUA. Após três derrotas, regressou à Presidência em 2006 e não esqueceu os amigos do Leste
Durante a campanha para as presidenciais de 2005, Daniel Ortega prometeu governar em "harmonia" com os EUA e George W. Bush. Mas o antigo revolucionário que regressou ao poder em Manágua estava apenas a ser como outro político qualquer - a fazer uma promessa que não iria manter. Este mês, a Nicarágua tornou-se no primeiro país, depois da Rússia, a reconhecer a independência da Ossétia do Sul e da Abcásia, com Ortega a voltar a estender os braços aos antigos aliados moscovitas.
Filho de activos opositores à ditadura familiar instalada por Anastasio Somoza, não é de estranhar que Ortega tenha iniciado a sua actividade política aos 14 anos, na Juventude Patriótica da Nicarágua. Nem que tenha optado mais tarde pela via revolucionária na Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) - muitos dos seus parentes tinham lutado, antes de ele nascer, na guerrilha de Augusto César Sandino, contra a ocupação norte-americana.
Com o triunfo da revolução sandinista, a 17 de Julho de 1979, o comandante passa a integrar a Junta de Reconstrução Nacional. Mas esta acabaria por se desmoronar, ficando Ortega à frente dos destinos do país. Além da política, os sandinistas ganharam também influência no sector militar, com o Exército Popular, liderado pelo seu irmão Humberto, a substituir a derrotada Guarda Nacional.
Não é de estranhar que Ortega tenha vencido as presidenciais de 1984 com 63% dos votos. Mas a sua ligação a líderes como o cubano Fidel Castro e ao bloco comunista, em plena Guerra Fria, não caiu bem ao grande vizinho do Norte: Washington investe nos "Contra", apelidados de "freedom fighters" por Ronald Reagan, levando a Nicarágua para uma guerra que acabaria por destruir o país. Pressionado, Ortega convoca eleições em 1990. A oposição une-se num bloco e Violeta Barrios de Chamorro, viúva do jornalista e político Pedro Joaquín Chamorro, sai vencedora.
Mas esse não foi o fim político de Ortega, que se manteve na oposição. Apesar das críticas internas do partido, conseguiu ser sempre eleito secretário-geral da FSLN. Após duas derrotas, regressaria ao poder em 2006 (curiosamente, com menos votos que nas eleições fracassadas de 1990 ou 2001). Na campanha usou a música Give Peace a Chance, de John Lennon, e trocou o vermelho sandinista pelo cor-de-rosa. Mas na tomada de posse surgiu ao lado dos novos rostos da esquerda latino-americana: o venezuelano Hugo Chávez e o boliviano Evo Morales.
As críticas dentro dos sandinistas não deixaram de se ouvir, especialmente depois de a lei do aborto - que tinha sido um dos avanços do seu Governo na década de 1980 - ter sido revogada. Dos ex-comandantes de luta, apenas três se mantiveram ao seu lado, tendo Ortega perdido o apoio até do irmão. O Presidente foi também acusado de pactuar com um dos seus antecessores, Arnoldo Alemán, que cumpre 20 anos de prisão por corrupção, alterando a lei para permitir a vitória nas presidenciais à primeira volta só com 35% dos votos.
Casado com Rosario Murillo, Ortega teve sete filhos. Mas foi a sua enteada que saltou para as luzes da ribalta quando, em 1998, acusou o então deputado de a ter violado e agredido desde os 11 anos. Zoila Murillo levou o caso a tribunal, mas a justiça deu como prescritos os crimes e ilibou Ortega das acusações.|