O saldo parlamentar

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A pandemia da covid-19 serviu e serve - porque ainda dura - para percebermos e compreendermos muitas coisas. Enfim, tem permitido aprender e no que respeita à política, até os mais distraídos foram obrigados a aperceber-se do papel do parlamento e das atribuições e dos impactos da matéria que decide. Desde logo, pelas sucessivas renovações do Estado de Emergência. Aliás, a pedrada no charco sobre a utilidade da Assembleia da República corresponde à "geringonça", que para a opinião pública se revelou o inédito da contemporaneidade política.

O primeiro grande dado positivo do balanço provisório da atividade parlamentar na segunda sessão legislativa é o facto de o Chega não ter visto aprovado qualquer projeto de lei que apresentou.

Há uma discrepância acentuada e efetiva entre a retórica parlamentar e a prática em termos de consequência, que permite a alguns alimentar algoritmos das redes sociais e construir manchetes em jornais, mas que os impede de aplicar formalmente a própria doutrina. E no que respeita a esta última realidade, ainda bem.

Alimentar os populismos e os extremismos através do voto, permitindo aos que os representam entrar no parlamento, faz aumentar o ruído, mas não faz crescer o trabalho e aumentar a "produção" legislativa. Felizmente, continua a ser o sistema a fabricar as leis e mesmo as deputadas não inscritas conseguiram aprovar propostas. Porque a questão aqui não é o número da representação, ou seja, a quantidade, mas antes a qualidade, porque depende do conteúdo.

Num parlamento de esquerda, assumindo a ambiguidade ou a neutralidade do PAN - que o coloca fora desses campos da política -, é fácil o PSD e o CDS apresentarem uma aprovação mais alta, ou seja, terem mais propostas convertidas em lei, quando comparados com os partidos mais à esquerda da representação parlamentar: Bloco de Esquerda e Partido Comunista, desde logo porque o PCP foi o grande campeão das negociações do Orçamento de Estado, onde deixou, à partida, boa parte das suas propostas.

A política - sobretudo enquanto ciência - continua a ser cada vez mais interessante, pela capacidade de se transformar e evoluir e pela dinâmica dos fenómenos, que lhe corresponde. Talvez o parlamentarismo assuma as grandes mutações do futuro, pela preponderância que assume no sistema. Esperemos que a trajetória seja positiva.

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