O ritmo das palavras de Capicua, agora com músicos de carne e osso

A rapper portuense sobe amanhã ao palco do CCB, em Lisboa, para encerrar o ciclo CCBeat, com um concerto no qual, pela primeira vez, surge acompanhada de uma banda real
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No princípio era a palavra. Foi por elas, pela força das palavras, que Ana Matos - ou Capicua, como é mais conhecida desde há alguns anos - se deixou fascinar pela música. Primeiro pela voz interventiva de nomes como Fausto, José Mário Branco, Sérgio Godinho ou Zeca Afonso, que ouviu ainda em pequena, por influência dos pais. E mais tarde pelo rap, pelas rimas de grupos como os Mind da Gap ou Dealema, que a seu modo e no seu tempo renovaram a força contestatária da palavra cantada em português. Uma linhagem da qual Capicua, 34 anos, se revelou desde há muito a mais direta descendente, pelo modo como ao protesto político e social acrescentou uma vertente artística e poética, até então pouco usual no hip-hop nacional. Como fez da palavra o seu principal cartão-de-visita, com rimas tão assertivas quanto atuais, que a todos tocam de forma transversal e transgeracional.

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Aqui chegados, é caso para perguntar: então e a música, onde é que fica a música no meio disto tudo? É apenas um meio para fazer passar a mensagem? De certa forma, sim, como a própria admite: "Sempre me apresentei num formato mais clássico, apenas acompanhada de DJ, porque queria dar a conhecer o hip-hop a outros públicos tal como ele é, de forma a quebrar também alguns preconceitos que ainda pudessem existir."

Tal não significa no entanto que a música seja deixada para segundo plano, muito pelo contrário. E foi precisamente para valorizar esse lado musical, tantas vezes subvalorizado, que a rapper aceitou o desafio do Centro Cultural de Belém para encerrar o CCBeat deste ano, um ciclo dedicado à nova música portuguesa, que, ao longo de 2016, recebeu ainda Orelha Negra, Benjamim, X-Wife, First Breath After Coma e Minta & The Brook Trout. Ou melhor, aceitou um convite e transformou-o no desafio de, pela primeira vez, se apresentar (e à sua música) acompanhada de uma banda a sério, com músicos de carne e osso e instrumentos reais.

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"Como era a minha primeira vez no Grande Auditório do CCB, que é uma sala nobre, decidi fazer um concerto especial, diferente do habitual. Optei por este formato porque era algo que já desejava fazer há muito tempo e esta era a oportunidade ideal para o fazer", explica ao DN. Tem sido, aliás, um ano pródigo em novidades para Capicua, que ainda há poucos meses editou o disco infantil Mão Verde, feito em parceria com Pedro Geraldes, dos Linda Martini.

Desconstruir as músicas

Nesta nova aventura, Capicua conta agora com a companhia de Sérgio Alves (teclados), Ricardo Coelho (bateria) e Luís Montenegro (baixo, guitarra e sintetizadores), que se juntam em palco aos habituais D--One e Virtus (pratos e programações) e a M7 nas rimas, para um inovador espetáculo em que irá percorrer o seu já vasto repertório sob uma nova perspetiva musical. "Já tinha trabalhado com o Sérgio e o Ricardo num projeto deles, em que convidaram alguns cantores para fazerem versões de clássicos do hip-hop. Já o Luís, que é músico dos Salto, participou no meu último disco, Medusa, para o qual fez uma excelente remistura do tema Vayorken. Todos eles têm um grande interesse por hip-hop e percebem muito bem as engrenagens da música eletrónica, o que era um pormenor importante para este espetáculo", sustenta.

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Os ensaios para o espetáculo começaram em setembro, mas a escolha do alinhamento teve início há mais tempo, como esclarece a cantora: "Pretendia apresentar um repertório o mais abrangente possível. Uma espécie de diagonal à minha discografia desde a primeira mixtape até hoje, que incluísse as músicas mais importantes, mas também as que resistiram melhor ao tempo", sublinha. Este "exercício de olhar para as canções" começou por ser feito a solo, mas posteriormente contou também com a participação dos músicos.

"Houve oito músicas óbvias, escolhidas por mim, mas as restantes já foram selecionadas em conjunto. Começou como uma autoavaliação, mas depressa evoluiu para um trabalho em grupo", diz a artista com humor. O passo seguinte foi "processo de desconstrução das músicas", esse sim, já com a participação de todos. "Foi talvez a parte mais interessante, em que fomos despindo as músicas das suas várias camadas até chegarmos à sua génese, que é o beat. É sempre a partir daí que construo as letras. Mesmo agora, que vamos tocar estas músicas como novos arranjos, pretendemos fazê-lo honrando os beats originais, de forma a manter a identidade hip-hop original", assegura.

Apesar de ser um concerto único, preparado em exclusivo para esta ocasião, Capicua não esconde que gostaria de o repetir mais algumas vezes. "Gostei tanto do processo que nos trouxe até aqui, que seria uma pena se este espetáculo só se realizasse uma vez. Num país perfeito iríamos tocar muito, mas se tal não for possível queremos pelo menos levá-lo ao Porto e talvez a um ou outro festival."

Entretanto, não está também posto de parte que esta nova forma de trabalhar não seja também transposta para disco. "Quando se experimentam novos métodos de trabalho há sempre alguma coisa que fica", admite Capicua, sem revelar quando haverá um novo álbum. "Ainda tenho muito concerto para dar durante este ano, pelo que talvez só em 2018 haja novidades a esse nível. Sinto é saudades de escrever, tenho de voltar a fazê-lo o mais depressa possível", concede, lembrando-nos o que já sabíamos: seja no início ou no fim, a palavra é sempre o que mais importa.

Capicua

Centro Cultural de Belém, Lisboa

2 de dezembro

21.00

Bilhetes a 7 euro e a 15 euro

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