O riso passou a ser a melhor arma da ficção
Se nos primórdios da ficção nacional os núcleos cómicos eram quase impercetíveis, nos últimos tempos a tendência reverteu-se a olhos vistos. A grande justificação para os autores poderem dar largas à sua veia humorística é só uma: a crise, que está a obrigar os portugueses a passarem por tempos mais difíceis. "As notícias com que somos confrontados todos os dias são muito pesadas. Embora uma novela seja o reflexo da sociedade, e o tema crise seja retratado, quando um espectador se senta no sofá espera esquecer os problemas e, se ainda se divertir, isso é um bónus", atira Pedro Lopes (na foto), autor de novelas como a galardoada Laços de Sangue e a recém-estreada Dancin' Days (ambas da SIC).
O ator João Ricardo, que interpretou o popular e hilariante Armando Coutinho em Laços de Sangue e agora acumula mais uma personagem cómica em Dancin' Days, Hernâni, assume que é uma grande satisfação ser o responsável pelas gargalhadas do público português. "Sair de casa de manhã e reparar que as pessoas olham para mim e esboçam um sorriso é muito saudável", frisa o ator, acrescentado que os núcleos cómicos são, quase sempre, os que têm "mais aconchego junto do público português".
António Barreira, autor da novela Remédio Santo, da TVI, concorda com Pedro Lopes na justificação dada para o aumento das pitadas de humor na ficção. O guionista assume que a última novela que escreveu tem "70% de comédia e 30% de drama" e congratula-se com o crescimento dos núcleos cómicos na ficção nacional. "A comédia tem vindo a crescer em todas as novelas, tanto na TVI como na concorrência. Não tínhamos essa tradição, mas é algo que tem vindo a enraizar-se e, felizmente na minha opinião, veio para ficar. Ainda não estamos ao nível do Brasil, onde a novela das sete é demarcadamente um produto de comédia, mas já estivemos mais longe", considera.
Manuela de Teles Brito, personagem da atriz Carla Andrino na novela Doce Tentação (TVI), foi "um belo desafio" na sua carreira, por ser totalmente o oposto de si, como diz a própria. E garante que se diverte tanto ou mais durante as gravações. "Primeiro tive de perceber porque é que ela faz aquelas loucuras todas. Mas tenho a sorte de contracenar com atores como a Sofia Nicholson, Jessica Athayde, Laura Galvão e Cristóvão Campos. Às vezes, só de olhar para as expressões da Sofia, desato-me a rir", conta à NTV. Apesar de passar poucas horas à frente da televisão, Carla Andrino considera que o humor tem ganho terreno porque, no final do dia, as pessoas "querem rir-se um bocadinho".
A inclusão de personagens alegres e espirituosas na novela Rosa Fogo, cujos últimos episódios estão a ser exibidos na SIC, foi algo que aconteceu em crescendo na trama de Patrícia Müller. A autora também está ciente de que hoje o público "exige mais humor", mas frisa que a sua decisão teve outros motivos. "O vilão da história [José, interpretado por Rogério Samora] é uma personagem muito pesada e houve necessidade de construir uma história paralela para libertar a trama. Ao princípio, o núcleo cómico da novela cingia-se à confeitaria, e só depois apareceu o Bilro [Marco Horácio], uma das personagens centrais desse núcleo", salienta Patrícia Müller.
Quando escreveu Remédio Santo, António Barreira sabia que tinha em mãos a difícil tarefa de alegrar o público português, até porque, como explica, nem sempre está com os mesmos níveis de humor, o que pode prejudicar o seu processo criativo. Mas confessa-se satisfeito com o resultado final. "Curiosamente, foi a novela mais longa que escrevi e aquela em que me senti menos cansado. No Meu Amor criei personagens que tinham alguns laivos de comédia, mas no Remédio Santo até a própria vilã [Helena, interpretada por Rita Pereira] tinha um sarcasmo que roçava o humor negro", conta o autor.
Em Dancin' Days, Pedro Lopes conta com vários atores com quem já tinha trabalhado em projetos anteriores. É o caso de João Ricardo, Miguel Costa e Ana Guiomar, que neste remake da TV Globo voltam a dar asas ao registo da comicidade. "Quando escrevemos para atores que já conhecemos torna-se mais fácil. É muito complicado escrever comédia porque ou rimos ou não rimos. Além disso, o público de horário nobre é muito diversificado e nem sempre é possível agradar a toda a gente", esclarece. Com um nível de popularidade como nunca teve, João Ricardo remata dizendo que o sucesso das suas personagens está no facto de os portugueses se "identificarem muito com elas".