O risco da política de curto prazo
É hoje consensual que a crise financeira mundial de 2008 e 2009, simbolicamente muito associada à falência do gigante Lehman Brothers, resultou, além de muitas outras coisas, de uma cultura empresarial marcada pelo short-termism, ou seja, uma perspetiva de gestão de curto prazo, tendo em vista a rápida potenciação e a maximização dos lucros de investidores e acionistas, em detrimento dos demais stakeholders (trabalhadores, clientes, fornecedores) e da comunidade em geral.
Este fenómeno, como é próprio da sua génese cultural e da natureza das coisas, não encontra apenas expressão no domínio empresarial e económico e instala-se, por vezes perigosamente, na vida política e em torno da gestão da coisa pública, havendo razões sérias para temer que seja a isso que se assiste, atualmente, na política portuguesa. Com efeito, os diversos partidos com assento parlamentar parecem atuar agora na perspetiva, implícita mas provavelmente por todos partilhada, de eventuais eleições legislativas antecipadas a ocorrer no final do próximo ano e despoletadas, o mais tardar, pela discussão do Orçamento do Estado para o ano seguinte.
No entanto, a ausência de uma política estável e concertada de longo prazo, no rescaldo de uma crise sanitária e económica avassaladora, que permita definir um rumo estratégico para várias legislaturas e traçar o esboço do país em que queremos viver, é uma tragédia em cima da tragédia, que Portugal e os Portugueses não mereciam e não merecem. E não se trata de uma fatalidade, mas de uma consequência provável da atuação dos diversos partidos políticos, que efetivamente parecem estar centrados, sobretudo, na maximização dos seus ganhos eleitorais ou, nalguns casos, na sua sobrevivência ou na sobrevivência política das suas lideranças.
Bem sabemos que a luta contra a pandemia, mesmo considerando o milagroso surgimento de várias vacinas, está ainda longe de ser vencida e que o esforço de guerra que temos pela frente nos próximos meses concentrará o essencial das nossas energias e preocupações. Convém, aliás, que não haja sobre isso dúvida alguma, nem sequer da perspetiva económica: depois dos excessos cometidos no verão passado, do trauma desta segunda vaga e dos enormes custos em vidas e para o erário público de quase todos os países europeus, não é de esperar nenhum facilitismo das autoridades nacionais na circulação transfronteiriça dos seus cidadãos enquanto não estiver adquirida (ou quase) a tão desejada imunidade de grupo, até porque não é ainda claro se as pessoas vacinadas poderão ser, ou não, veículo de transmissão do vírus. Como tal, não há garantia alguma de que o próximo verão seja muito melhor para a economia e para o turismo portugueses do que aquele que tivemos em 2020.
Apesar da crise sanitária - ou também por causa dela -, Portugal precisa desesperadamente de uma ideia de si próprio e de um desígnio estratégico claros, precisa de saber que país quer ser (e vai tentar ser) nos próximos 5, 10 ou 15 anos (quanto à produtividade e à qualificação das pessoas, à dinâmica do mercado de trabalho, à organização, ao financiamento e à gestão das empresas, ao funcionamento do sistema judiciário, ao peso da burocracia e dos custos de contexto, etc.). Não basta uma recoleção de ideias e princípios mais ou menos vagos, um guia de boas intenções ou um punhado de projetos emblemáticos sem uma relação de custo-benefício claramente fundamentada. E não parece útil ou proveitosa a existência de projetos estratégicos alternativos e demasiado divergentes por parte dos dois principais partidos, porque, se não houver uma matriz de base comum, a difícil formação de maiorias parlamentares e a normal alternância democrática encarregar-se-ão de torpedear a concretização de qualquer deles.
Contudo, aquilo a que assistimos diariamente é uma discussão sempre superficial e marcada pela multiplicação de casos de suspeição sobre o funcionamento de instituições - sem assunção de responsabilidades políticas - ou por polémicas sobre a gestão, de contornos nem sempre claros, de complexos dossiers, como o Novo Banco ou a TAP. Na perspetiva da tática política de curto prazo, tudo isto se poderia perceber. O problema é que a primeira década deste século foi perdida com um crescimento marginal do PIB, próprio de uma economia anémica. E, desde então, temos vivido sob as convulsões da crise financeira, da subsequente crise da dívida pública e do resgate da troika e, agora, da atual crise sanitária e económica.
Não será já demasiado tempo perdido para os partidos, tão essenciais à democracia, se darem ao luxo de olharem mais para si próprios do que para o país?
Advogado e Doutorando da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa