O renascer de Alarcón, um ciclista que "merece uma equipa de topo mundial"
Ainda muito novo, Raúl Alarcón estava onde todos os ciclistas querem chegar: no World Tour. Porém, o sonho de uma equipa de topo mundial desmoronou-se com a dissolução da Saunier-Duval e o terceiro escalão foi a solução possível para continuar a carreira, tendo mesmo sido amador em 2010. Veio para Portugal no ano seguinte e viveu por duas vezes novamente a desilusão de estar com o futuro indefinido. Em 2017, aos 31 anos, a vitória na Volta a Portugal, confirmada ontem, é o renascer de um ciclista que demorou a reencontrar a motivação, mas que agora volta a mostrar o nível que o levou tão cedo ao World Tour. "Consegui! Viseu, jamais esquecerei isto", desabafou ontem, já nos festejos após o contrarrelógio final.
O espanhol - o oitavo vencedor espanhol da Volta nos últimos dez anos - sucedeu a Rui Vinhas, seu colega de equipa da W52-FC Porto e um amigo de longa data em Portugal. E este não tem dúvidas de que foi ao assinar pela atual equipa que tudo mudou na carreira de Alarcón. "Em 2015, conseguimos arranjar um lugar tardio na equipa e conseguimos dar a volta a tudo. A partir daí ele começou a evoluir muito", contou Vinhas ao DN.
Foram colegas no Louletano e a partir daí nasceu uma amizade com o vencedor da Volta a Portugal de 2016. "É um dos melhores amigos que tenho, é como um irmão. Admiro-o pela capacidade de sofrimento", salientou, recordando precisamente o momento em que Alarcón chegou a pensar em abandonar o ciclismo e como depois foi difícil ter ficado sem equipa, por mais duas vezes - primeiro no final de contrato com a Efapel e depois com o Louletano -, o que obrigou o espanhol até a lavar carros para ganhar dinheiro.
Rui Vinhas considera Alarcón muito profissional nos treinos, não esquecendo como o espanhol foi importante na sua vitória na Volta em 2016: "No ano passado custou-me a assimilar a vitória e acho que está a acontecer o mesmo com ele. Ele é muito humilde." Vinhas não tem dúvidas de que Alarcón recuperou a confiança e realçou: "Ele merece um lugar numa equipa de topo mundial."
O mesmo é destacado por Miguel Vinhas, o mecânico da equipa e irmão do ciclista. "Quando veio para Portugal não tinha a confiança que tem neste momento." Conhece Alarcón há mais tempo, mas nos últimos três anos tem trabalhado de perto com o espanhol e, para Miguel Vinhas, nota-se a diferença em Alarcón, que agora é um ciclista que acredita muito mais nas suas capacidades. Neste ano, de resto, já tinha conquistado a Volta às Astúrias, deixando apenas e só Nairo Quintana no segundo lugar.
E como é trabalhar com Alarcón? "Não é muito exigente com a bicicleta. Claro que a quer em condições, mas não é picuinhas como alguns! É muito tranquilo nesse aspeto", contou Miguel Vinhas, que confirma que a tranquilidade que se vê quando o espanhol fala no final das etapas é mesmo a forma de estar do ciclista: "Toda a gente gosta dele e não é por acaso."
O ciclista das patilhas passou de um homem de trabalho e de fugas a líder, numa aposta de Nuno Ribeiro, que mais uma vez terminou em vitória. Alarcón ficou com a amarela na primeira etapa (depois do prólogo), conquistou a Senhora da Graça e, na Guarda, ofereceu o triunfo a um leal Amaro Antunes, com o qual subiu a Torre. Apesar da vantagem de mais de cinco minutos para os rivais, Alarcón só celebrou no final do contrarrelógio. "Dormi a sesta no hotel tranquilo antes do contrarrelógio. O que tinha de ser, foi. Está concretizado, é um sonho tornado realidade, é uma prova prestigiadíssima. Jamais esquecerei", disse, quando o momento já era mesmo de festa.
Para a W52-FC Porto foi uma Volta a Portugal demolidora: a amarela de Alarcón, seis triunfos em etapas (incluindo o contrarrelógio de ontem, por Gustavo Veloso), a camisola da montanha para Amaro Antunes (2.º na geral) e ainda a vitória por equipas.