O REGRESSO DOS ADMIRÁVEIS MATRAQUILHOS
Na aldeia recôndita, na cidade mais desempoeirada, os matraquilhos avivaram tardes e noites de inesquecíveis reinações. Eram jogos disputados a dois, ora a quatro, quantas vezes ao perde-e-paga e sempre debaixo de incitamentos, brados de desespero e gritos de... "gooolo!".
"Finta!" "Dribla!" "Remata com efeito" "Olha o ângulo!" E tumba-catatumba, vigor nos punhos, agilidade assente em dias de prática. Até calos nasciam nas mãos. Uns preferiam ficar à defesa. Atentos e firmes à subtileza contrária, inclusive ao remate longínquo. Para outros, o jeito ditava-lhes a linha avançada. Requeria reflexos rápidos, delicadeza no domínio de bola, simulação e manha aos pontapés. Também havia os polivalentes, bons numa posição como na outra.
Nos cafés, nas colectividades, nas barracas da romaria e das feiras populares, as mesas dos 22 bonecos com as cores dos clubes rivais, normalmente Sporting-Benfica, eram a perdição da rapaziada.
Que importava que a camisa ficasse suja pelo óleo dos barões? Saltava a bola para fora do recinto? Ora, impunha-se descobrir a trajectória, o seu esconderijo e, com dedos em pinça, apanhá-la debaixo de um móvel.
Com os tempos modernos, milhares de mesas "made in Portugal" saíram do campo das preferências, agonizaram na arrecadação. O fim, inglório?
Estavam os matraquilhos praticamente no rol do esquecimento quando Vítor Bessa, 32 anos, jogador de bilhar, participou num campeonato da modalidade, em Las Vegas. A dada altura, o assombro: viu um campeonato de "matrecos". Rejubilou, mesmo apesar de os bonecos serem de plástico. "Tinha crescido em ambientes de café. Cedo comecei a lidar com os matraquilhos. Depois de Las Vegas, em Novembro de 2006 criei a comissão instaladora e a Federação Portuguesa de Matraquilhos, sediada na Póvoa de Varzim", conta ao DN.
O ressurgir do jogo tinha de assentar na competição. "Sólida, com bases e com estilo", diz. Actualmente, a federação "tem mil jogadores, a nível nacional. Pertencem a mais de cem clubes, salões de bilhar, colectividades", revela Vítor Bessa. O líder da federação admite que, dentro de três anos, haverá três mil pessoas inscritas.
Então, diz, "no estrangeiro vamos tentar impor as nossas mesas tradicionais, de madeira e com bonecos de chumbo". Bessa mostra as mesas homologadas, fascinantes, bonitas, equipas pintadas à mão com as cores nacionais. Cada bilhar custa 400 euros. Há mais de cem fabricantes portugueses.
Nas provas regionais e distritais, cada partida custa 20 cêntimos. Nas de âmbito nacional, as únicas organizadas pela federação, o preço é de meio euro. Dá para os prémios. Quem são os participantes? Do sexo masculino, dos 14 aos... não há limites de idade. Acorrem de todo o País, respeitam as regras e não consta ter havido rasteiras ou invasão de campo.|