O regresso do filho pródigo

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Pode ignorar-se que um dos acontecimentos mais re-levantes da campanha eleitoral em curso foi o regresso de António Guterres, no comício de abertura que o PS fez em Castelo Branco? Não pode!

Pode ignorar-se a importância do sinal político que se esconde por detrás das palavras que ali proferiu, na medida em que elas remetem para a retoma de um projecto de Governo a que ele deu corpo, e que terminou nas circunstâncias que todos conhecemos? Igualmente, não pode!

O que Guterres actualizou, com o seu regresso, foi a memória.

Memória que nos leva a fazer uma pergunta singela quando, criticando a situação em que hoje o País se encontra, parece de novo apontar o caminho, como apontou em 95 e 99: se agora, como então, tudo parece tão fácil para o verbo fluente do engenheiro, porque se foi embora, invocando o pântano? Porque não ficou, porque não deu continuidade à obra em curso, ou porque não escolheu o seu mais qualificado discípulo - o actual líder do PS - para prosseguir? Teria sido o mais normal, porque o PSD não reclamou eleições.

Teria sido o mais congruente, porque o PR abriu essa possibilidade, e não interrompeu a legislatura.

Ora a verdade é que o engenheiro foi embora porque, uma a uma, falhou o cumprimento das suas promessas: o sonho da educação, a aposta na modernização e na competitividade da economia, a revolução tecnológica (o choque tecnológico de então) que colocaria Portugal entre os países mais desen- volvidos da Europa.

O engenheiro entregou-se a uma orgia dissipadora que pôs as despesas correntes primárias a crescer a níveis superiores a 8% ao ano, fez disparar o défice (em ciclo de crescimento económico alto) para valores de 4,2%, deixou subir os salários nominais per capita a níveis anuais superiores a 6,25% (mais do que a produtividade e o dobro da média europeia) e, "reforma das reformas", combateu o desemprego... deixando entrar nesse período mais cerca de 200 mil pessoas na administração pública!

Esta foi a obra deste ínclito varão que, ao contemplar a dimensão do drama numa noite eleitoral, partiu como um fantasma, e como um fantasma errou pelo mundo durante três anos e um mês (a distância apaga a memória), remetendo-se a um obstinado mutismo sobre as coisas pátrias. Agora volta, e ninguém melhor que ele nos lembra o filho pródigo.

Porque foi como um pródigo que geriu o Estado, e o exemplo maior da prodigalidade está na dimensão a que chegou o peso da administração pública no PIB - o grande problema português actualmente: 15%! Se pensarmos que a média europeia está nos 10,5%, isso significa que gastamos, anualmente, cerca de 950 milhões de contos (moeda antiga) mais do que a média europeia, sendo que o nível de eficiência da administração não melhorou.

Esta é a grande herança do engenheiro, que estamos a pagar, e que vamos continuar a pagar por muitos anos. É importante lembrá-la? Importantíssimo. Sobretudo depois de o líder actual do PS ter explicado, há dias, como vai criar 150 mil postos de trabalho: só 75 mil serão na administração pública!

Como disse há dias Miguel Cadilhe, é um filme de terror, que já conhecemos. Guterres teve o condão de nos deixar antever como poderia ser a segunda parte.

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