O regresso de 'Gabriela'

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Fazer um remake de Gabriela (SIC) tem todos os defeitos de fazer um remake de qualquer outra telenovela: é um descaramento, um ato de preguiça, uma prova de falta de imaginação, um tributo à televisão enfadonha de que aparentemente não conseguimos livrar-nos. Mas tem também uma virtude que poucos outros remakes têm: é uma homenagem a um momento verdadeiramente histórico. Foi com Gabriela, retrato de uma ruralidade em diluição, que tudo começou: o êxito das telenovelas brasileiras em Portugal, mas até certo ponto o êxito da ficção em geral e o próprio hábito da reunião de uma família inteira, de olhos esbugalhados, à volta de uma caixa iluminada. O que nem será surpreendente, até porque também nós vivíamos essa transição para uma certa ideia de modernidade de que fala o romance de Jorge Amado. Provavelmente, desistirei ao fim de um dia ou dois. Mas, neste momento, só me apetece passar as noites no Bataclan, conversando sobre essa caipira descalça e transbordante de sexo que Seu Nacib trouxe para a vila. E é claro que o envolvimento de Juliana Paes, a mais estonteante brasileira-das-telenovelas desde (pelo menos) Maitê Proença - se não desde a própria Sónia Braga, que agora se encarrega de substituir -, também ajuda. Mas, no essencial, é ainda a história o que me encanta: a recordação desse tempo em que já éramos subversivos, mas ainda não experimentáramos quase nada. Julgo não me enganar se disser que, para além da fundação da RTP, em 1957, nenhum outro momento no trajeto da TV portuguesa foi tão relevante pelo menos até 1992, ano em que nasceram as estações privadas. Gabriela foi uma vertigem. E sabe bem recordá-la.

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