O regresso a casa da viúva de Carlucci, o embaixador que acreditou em Soares
Marcia Carlucci está de regresso à casa onde viveu na Lapa durante os tempos em que o marido foi embaixador em Lisboa e relembra-se de ter ficado espantada como "o quinto andar" (dito em português) era usado como lavandaria apesar de ter "uma esplêndida vista sobre Lisboa". E foi já no renomeado Cesto da Gávea, a olhar para o Tejo, que Frank Carlucci, nos três anos em que esteve em Portugal, se reuniu com muitas figuras, com destaque para o líder socialista Mário Soares, para assegurar que o país saído da Revolução de 1974 se consolidava como democracia e se mantinha ao lado dos Estados Unidos.
A acompanhar Marcia, viúva desde o ano passado, está o embaixador George Glass e a mulher, Mary, que para homenagear Carlucci organizaram nesta sexta-feira um jantar de gala. "Estamos a celebrar o momento em que após a Revolução a democracia chegou", sublinhou Glass, que teve também a ideia de rebatizar a residência oficial de Casa Carlucci e encomendou a um artista português um retrato do antecessor.
"É bom estar de volta. Bem-vindos à minha antiga casa", começou por dizer Marcia ao pequeno grupo de jornalistas convidado para ver a exposição dedicada ao marido, em especial a esse período da carreira entre 1975 e 1978 em que viveu em Lisboa. E emocionou-se por uns segundos, antes de retomar: "Foi a primeira casa onde vivemos como marido e mulher." E começa a contar como o marido estava decidido a apoiar os setores democráticos, recusando-se à possibilidade de Portugal cair na esfera de influência da União Soviética. Ela percorria Portugal num pequeno Fiat e contava ao marido o que via e ouvia. Ele, por seu lado, reunia-se com políticos, militares, personalidades da Igreja Católica também, para perceber como evoluía a sociedade portuguesa; e, sobretudo, ajudar a esquerda moderada a afirmar-se, pois percebeu ser essa a única opção na época, num país saído de uma ditadura de direita, como fez questão de enquadrar Tiago Moreira de Sá, académico especializado nas relações luso-americanas, que também participou na visita.
"Depois do 11 de Março ouvimos que não era certo que o embaixador dos Estados Unidos devesse ficar em Portugal. Foram dias de muitos nervos", recorda Marcia, referindo-se ao momento em 1975 em que a esquerda mais radical assumiu a liderança do processo revolucionário. Mas Carlucci não se deixou amedrontar e tinha os seus canais de comunicação com os militares. Chegou, recorda a viúva, a convidar Otelo Saraiva de Carvalho para um encontro. E nunca deixou de se reunir com moderados como Melo Antunes e Vítor Alves. "Sentimo-nos sempre seguros em Portugal, os portugueses sempre nos acolheram bem. Conheço bem a comunidade portuguesa nos Estados Unidos também. Gente trabalhadora", acrescenta Marcia, que confessa ter ficado para sempre apaixonada pela beleza de Marvão, uma das muitas terras que conheceu ao volante do tal Fiat sem matrícula diplomática.
"O maior feito de Frank Carlucci como embaixador foi convencer Washington a apostar nas forças moderadas, democráticas, de Portugal como vencedores definitivos da revolução portuguesa", declarou Glass perante os convidados do jantar de gala, num discurso ao qual o DN teve acesso.
Grande admirador do seu antecessor, o embaixador já no verão passado, quando Carlucci morreu, tinha feito grandes elogios à figura que chegou a ser vice-diretor da CIA, conselheiro nacional de segurança e secretário da Defesa: "Ele era um ícone da política externa americana. Ele era um patriota, um homem que resolvia os problemas e um visionário. Era notável. Em Portugal o legado de Frank Carlucci continua vivo. O trabalho que fez com Mário Soares, outro titã da história, continua a ser lendário. Juntos, os seus esforços para apoiar Portugal na altura da Revolução e o compromisso de ambos com o futuro de Portugal enquanto democracia mudaram o curso da história."
Enquanto posa agora com Marcia para uma fotografia no Cesto da Gávea junto a uma antiga fotografia de Carlucci e Soares, o embaixador Glass diz perceber bem o encanto do local que já foi a lavandaria da casa e acrescenta que, na sua opinião, o melhor momento para apreciar a vista sobre Lisboa e o rio é o nascer do Sol, mas que o mais importante é o que ali se fez em nome da amizade entre os Estados Unidos e Portugal.
"Muitas coisas importantes aconteceram aqui neste quinto andar. Muitos encontros, sobretudo com Mário Soares. É incrível como Carlucci percebeu a realidade política portuguesa", assinala Tiago Moreira de Sá, que teve acesso aos telegramas enviados de Lisboa para Washington naqueles anos. "O embaixador Carlucci estava 100% certo de que Portugal seria uma democracia", conclui o autor de Os Americanos na Revolução Portuguesa.