O que vale um "tweet" num atentado?

No rescaldo dos atentados desta terça-feira em Bruxelas, pergunta-se: As redes sociais são realmente úteis ou, em muitos casos, servem apenas para nos sentirmos melhor num período curto de tempo?
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Depois dos atentados desta terça-feira em Bruxelas, que mataram 31 pessoas e deixaram outras 270 feridas, questiona-se o impacto e o significado da proliferação de manifestações, funcionalidades, informações e homenagens nas redes sociais, do Twitter ao Facebook.

As causas não têm uma vida longa nas redes sociais, lembrava Caitlin Dewey no Washington Post cinco dias após os atentados de novembro de 2015 em Paris. No Twitter a hashtag #PrayforParis fez parte das tendências globais durante cinco horas e 35 minutos no sábado - dia que seguiu os atentados - e #ParisAttacks durante seis horas, recordava a jornalista.

No dia seguinte, nenhuma dessas hastags que manifestavam solidariedade face aos atentados faziam parte das tendências globais do Twitter, dizia o site Trendinalia, uma ferramenta que mede o impacto de hashtags e temas naquela plataforma. Note-se, todavia, que o algoritmo do Twitter está condicionado, tendendo sempre para mostrar o que é novo.

Na segunda-feira, conta ainda o Washington Post, "as organizações noticiosas já tinham reduzido os tweets sobre Paris para metade ou mais." Deixando claro que esta não era uma simples crítica que dirige à forma como funcionam as redes sociais atualmente, a jornalista afirmava, contudo: "Depois de uma tragédia como a de Paris, precisamos de tempo para pensamento contínuo e contemplativo. E nunca há tempo para nada, a Internet continua."

Citando estudos que sugerem que "precisamos de tempo para refletir - e precisamos de refletir para sentir empatia", Dewey evoca um possível luto rápido e insincero feito através das redes sociais. A mesma empatia a que se referia Mark Zuckerberg em 2015 a propósito da futura funcionalidade do Facebook: um botão de dislike ("não gosto"). "O que [as pessoas] querem é poder mostrar a sua empatia", dizia o fundador do Facebook, lembrando que "nem todos os momentos são bons".

Vídeos, testemunhos, fotografias, vídeos, tweets de ajuda com a hashtag #porteouverte - que circularam nos atentados de Paris e recentemente nos de Bruxelas - para acolher quem precisasse de ajuda.

"De um atentado a outro, as horas e as reações que seguem os ataques fazem parecer, cada vez mais, que estamos habituados a estes acontecimentos trágicos, e portanto extraordinários", escrevia nesta terça-feira Mélissa Bounoua no Slate.

O problema é que muitos dos vídeos divulgados não eram dos atentados no aeroporto de Zaventem, mas de um atentado de 2011 no aeroporto moscovita de Domodedovo, notava a jornalista apontando uma das consequências da proliferação da informação nas redes sociais.

Fazer ativismo no sofá

Estávamos ainda em 2009 quando o investigador e escritor bielorrusso Eugeni Morozov, autor de To Save Everything Click Here (Para Guardar Tudo Carregue Aqui, em tradução livre), escrevia que um certo "ativismo de sala" - como lhe chamam Álvaro Llorca e Jaime Rubio Hancock num blogue do El País - baseia-se na ideia nada realista de que, com consciência social suficiente, pode solucionar-se todos os problemas".

A ideia de que participar através das redes sociais no que se passa no mundo, mais ou menos próximo do lugar em que cada um se encontra, pode representar de facto uma participação ativa e com resultados efetivos.

Ainda assim, muitos sugerem que existe, de facto, um impacto real das redes sociais. Por vezes, um impacto político, até. Um estudo da Universidade da Pensilvânia e da Universidade de Nova Iorque, citado pelo jornal Independent, afirma que enviar tweets sobre determinada manifestação leva, de facto, muitas pessoas às ruas para se juntarem a essa mesma manifestação. Condicionando, assim, o seu impacto político e a forma que ela toma.

Álvaro Llorca e Jaime Rubio Hancock levantam ainda, no mesmo blogue do El País, outra questão: quantas pessoas recorreram efetivamente à hashtag #porteouverte para encontrar abrigo nos momentos que seguiram os atentados? Lembram, também, "que houve tanta gente a tweetar acerca de como gostavam da ideia e a explicar como funciona que se tornava difícil encontrar quem estava de facto a oferecer a sua casa".

"Hierarquia da morte"

No artigo que dedicam ao tema, os dois jornalistas do El País põem ainda em causa uma "hierarquia da morte" enfatizada pelas redes sociais. Lembram que a 13 de março morreram 19 pessoas num atentado na Costa do Marfim reivindicado pela Al-Qaeda, e a sua morte não provocou as reações a que assistimos depois do atentado a Bruxelas. A questão já estivera na ordem do dia quando dos atentados de Paris.

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Salvaguardando "que isto [hierarquia] não é necessariamente negativo", os jornalistas do El País admitem que a relação de proximidade com os lugares, assim como a possibilidade de as pessoas terem, ou não, amigos e familiares nos locais em causa, condiciona a abordagem à questão e aos acontecimentos.

Contudo, "isso não quer dizer que não devemos melhorar a informação que é dada sobre os outros conflitos", assim como funcionalidades das redes sociais. Funcionalidades como o Safety Check do Facebook, que surgiu nos atentados de Paris e permite avisar os amigos se a pessoa em causa se encontra ou não segura.

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