O que separa os bastiões PSD, PS e PCP? Qual é o segredo da longevidade autárquica?
O pluralismo partidário, a alternância e as alternativas de poder considerados como essenciais à democracia não estão presentes em 31 câmaras. Os candidatos dos maiores partidos, em três concelhos, explicam porque razão os eleitores decidem perpetuar as mesmas formações.
"Aqui, o normal, desde os anos 80, é o PCP eleger quatro, o PS dois e o PSD um vereador. Já houve uma altura, em 1985, em que se juntaram, numa frente unida contra o PCP, mas voltaram a perder", recorda Álvaro Beijinha, presidente da câmara de Santiago do Cacém, que é candidato pela terceira vez - um não militante do PCP que "está aqui de camisola vestida" e que explica as vitórias sucessivas com "o trabalho de décadas, de inúmeros autarcas".
"É o reconhecimento, um fenómeno relacionado com o reconhecimento. A população confia no nosso trabalho. E naturalmente, uma política de proximidade num concelho que é disperso. O segredo? Nada de promessas vãs, só nos comprometemos com o que conseguimos realizar", afirma.
Álvaro Beijinha recusa a ideia de uma gestão pessoalizada que garanta a perpetuação do poder. "Aqui não há dinossauros políticos, sempre houve alternância. Não é um rosto, é um projeto alongado no tempo que envolve muitas pessoas, militantes e não militantes. Eu, por exemplo, não sou militante".
O autarca também afasta como argumento as "redes de relações estabelecidas entre o presidente da câmara e as associações locais", que os investigadores identificam nas autarquias portuguesas, garantindo que "aqui tratamos todos de forma igual, o grande e o pequeno empresário, a pequena e a grande associação".
E porque razão a oposição nunca ganhou? "As pessoas daqui não gostam de chicana política. Não tenho tido muitas razões de queixa, mas já aconteceu. Aqui, quem fizer isso não terá sucesso. O que as pessoas querem é os seus problemas resolvidos" e "além do mais", explica, "as pessoas separam muito bem legislativas de autárquicas. 20% nas legislativas e 45% nas autárquicas traduzem bem a confiança no nosso trabalho".
Artur Ceia, candidato socialista à presidência da câmara, prefere não se alongar em leituras "que explicam esta situação até por ser a vez que é candidato a eleições autárquicas pelo PS", confiando antes numa mudança. "É certo que em muitas regiões do nosso país ainda existe uma espécie de tradição em termos de tendência de voto, mas julgo que em Santiago do Cacém as próximas eleições ditarão uma prevalência do projeto em detrimento da tradição".
E o fracasso sucessivo das oposições? "Julgo que, em alguns casos, definir o trabalho da oposição como fracasso pode ser manifestamente exagerado. Nas ultimas eleições autárquicas, por exemplo, a coligação atualmente no poder perdeu a freguesia de Alvalade e perdeu a maioria nas freguesias de Santo André e na União de Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra".
Artur Ceia reconhece que "uma força política que se mantém por tantos anos no poder acaba por ter uma vantagem acrescida sobre as demais forças, porque, boa ou má, apresenta obra feita. No entanto, existe também a outra face da moeda: a obra que, apesar de todas as condições, podia e devia ter sido feita, mas não foi".
O candidato acredita que "estas eleições serão marcadas por circunstâncias especiais. As questões, os problemas locais, bem como os de índole mais pessoal, ligados às diversas lideranças, à obra concretizada e as alternativas locais são fatores que poderão determinar a escolha do eleitorado".
Outra questão é a separação de águas que os eleitores fazem das distintas eleições. O que no caso de Santiago de Cacém é muito evidente. "Existem muitos eleitores que votam em partidos, independentemente do candidato, mas a maioria, nas eleições autárquicas, vota em candidatos mais do que em partidos. Um bom exemplo é que o PS tem sido, por regra, a força partidária mais votada nas eleições legislativas, mas em Santiago do Cacém, até à data, este domínio não teve qualquer influência".
"É um concelho de matriz de esquerda, existe uma base sociológica de esquerda, mas não explica tudo. Se fosse só a fidelização pura de votar sempre na mãozinha, não resultaria, não teria o PS tantas vitórias desde 1976", explica Pedro Ribeiro, presidente de câmara e candidato pela terceira vez.
"Há uma fidelização ao partido nas autárquicas desde o 25 de Abril, fruto de um trabalho de proximidade. Mas há também o voto na pessoa, mais forte até do que as marcas ideológicas", afirma.
O autarca sublinha que o legado de Renato Campos, presidente de câmara de 1976 a 1993, se prolongou no tempo, deixou marcas. "Ele teve que fazer tudo, criar as infraestruturas básicas". E cita outros nomes, José Conde Rodrigues, e Paulo Caldas, que seguiram essa linha da proximidade.
E recorda que a questão local é de tal forma forte - "um enraizamento" - que o PS até conseguiu resistir a pesadas derrotas em legislativas. "Aqui o Cavaco chegou a ter vitórias esmagadoras, mas nas autárquicas tudo mudava".
Pedro Ribeiro concorda com a leitura de José Silvano, secretário-geral do PSD, de que "a influência que o poder autárquico tem no meio empresarial e social nos pequenos concelhos permite a perpetuação" de um partido no poder, mas "é para o bem e para o mal", diz.
"É preciso ter um trabalho sério junto das associações locais, sejam elas de caráter social, desportivo, cultural... e repare que desde 16 de outubro de 2013 que não dou um cêntimo para o associativismo, não há dinheiro... e apesar disso fui reeleito", enfatiza.
"E nenhuma associação fechou. Tiveram que se reinventar. Multiplicaram-se as iniciativas para angariar verbas. Nós apoiámos com o que podíamos, equipamento, meios... dinheiro é que não há", explica.
A câmara do Cartaxo chegou a estar entre as três mais endividadas do país com um buraco financeiro de 63 milhões de euros. As receitas de "13 milhões de euros são basicamente consumidas pelo pagamento de juros, seis milhões, e pelos sete milhões em salários". A autarquia é o maior empregador do concelho, quase 350 pessoas - um terço no sector da Educação.
João Heitor, candidato social-democrata, afirma que "as pessoas daqui são resistentes à mudança, ainda existe o estigma do partido dos ricos". E conta que até "amigos lá de casa me disseram que não votavam em mim, diziam: "somos amigos, mas não consigo votar em ti, estás no partido do ricos"".
O líder da concelhia local do PSD, aproxima-se da leitura do candidato socialista - a da matriz histórica de esquerda - e explica que nos mais velhos ainda existe a crença ideológica. "Olham o partido como se fosse um clube de futebol. É para o resto da vida, independentemente de quem lá está".
"Há questões sociológicas e ideológicas que explicam de alguma forma esta perpetuação de poder. Muitas vezes, a decisão de voto é tomada olhando apenas ao partido e não aos resultados da governação", considera.
Jorge Heitor admite que esta pode ser uma dificuldade, a par da tradicional elevada abstenção - "a descrença no sistema político, leva a que muita gente insatisfeita não exerça o seu direito de voto" -, mas "não quer fazer disto uma questão ideológica, mas sim uma plataforma de entendimentos". E dá como exemplo o facto de ter nas suas listas "95% de pessoas que não são militantes nem tinham quaisquer ligações ao PSD... e muita gente das associações locais, pessoas desiludidas com o que se tem passado".
O candidato acredita que "essa rede [a ligação da câmara às associações], essa malha se está a esbater", mas não esquece os "quase 350 empregos que a câmara dá... e depois há que fazer contas aos indiretos".
"Atualmente, as ligações económicas entre autarquia e associações serão poucas, até porque em alguns casos as empresas do concelho nem sequer são consultadas para fornecimento à autarquia, ainda assim poderá haver empresários ou dirigentes que se possam sentir condicionados pelo receio de perder a possibilidade de negócio ou benefício. Temos que acreditar que, nesta altura, não será um fator decisivo", afirma Jorge Heitor.
"Quem está na governação tem a facilidade de estar permanentemente próximo das populações, coisa diferente de quem está fora, que tem um trabalho e uma vida que não permitem ter tempo para esse trabalho político", e essa tem sido uma "dificuldade do PSD", conclui.
Fernando Queiroga, candidato a um terceiro mandato pelo PSD, e que em 2017 obteve mais de 77% dos votos, encontra na "perpetuação no poder" uma explicação simples. "O PSD tem desde sempre apresentado os melhores projetos para a nossa terra e os melhores candidatos, que representam de forma intransigente os interesses da população, seguindo uma política aberta e de diálogo permanente com os munícipes e direcionando os recursos da autarquia para as reais necessidades das pessoas".
"A população identifica-se com os candidatos e confia-lhes, através do voto, a gestão dos destinos do concelho", afirma.
Para o candidato, o que impede a alternância política tem a mesma explicação. "O PSD apresenta sempre os melhores candidatos, os melhores projetos e aqueles com quem as pessoas mais se identificam."
Sobre o fracasso sistemático da oposição, Fernando Queiroga apresenta uma justificação simétrica. "Provavelmente, porque a população não se identifica com os candidatos nem lhes reconhece valor. É preciso trabalhar constantemente em prol do desenvolvimento da nossa terra e não apenas de quatro em quatro anos, quando há eleições autárquicas".
"O nosso povo quer ver trabalho e identifica-se com quem trabalha e não com quem, demagogicamente, promete aquilo que sabe não poder cumprir", garante.
Fernando Queiroga que assegura não ter tido a direção nacional do partido qualquer interferência na escolha do candidato a presidente de câmara - "Rigorosamente nenhuma. As escolhas são feitas localmente pela Comissão Política de Secção" -, não vê qualquer influência de resultados das legislativas nas eleições locais. "São atos eleitorais completamente distintos e que não têm influência um no outro".
Xavier Barreto, engenheiro florestal, que lidera a lista de independentes, e que tem apoio do PS que nestas eleições não apresentou candidato, afirma que a "perpetuação acontece, muitas das vezes, pela dependência que se cria nos cidadãos e empresas pela tutela da câmara ou entidades co-ligadas. O grande desafio é gerir o dinheiro público de outra forma".
"E aqui temos, por exemplo, a falta de uma forma de governar clara e transparente, onde os cidadãos sejam conhecedores do que realmente é a gestão autárquica, temos a falta de avaliação pública das iniciativas e resultados que conduzem a uma atividade arbitrária e ilusória, ao propagar só o que é abonatório", afirma.
O candidato fala de uma gestão autárquica pessoalizada, concentrada numa única pessoa. "Tem havido evidentemente a implantação de um sistema autocrático do qual não sou fã. Evidentemente, é muito mais fácil administrar quando uma única cabeça orienta. Contudo, não será a forma mais honesta, nem a mais justa, nem a mais democrática, nem a mais correta".
Xavier Barreto, que em 2013 foi candidato pela CDU e durante alguns anos presidente de junta na freguesia de Dornelas, elenca as particularidades de uma política local "especial e sui generis", do "contacto pessoal, a referência pública, famílias numerosas que devidamente integradas podem ser as decisoras do futuro destes territórios, integrando listas que são transformadas numa espécie de tronos que vão sendo alternados entre si".
"Um jogo de cadeiras entre amigos, colaborantes que dificultam a pluralidade de opiniões e até de decisões", salienta.
E porque não consegue a oposição chegar à liderança da autarquia? Xavier Barreto considera que "a história diz-nos isso muito bem: as minorias que lutam contra poderes pseudo instalados têm um caminho sinuoso, árduo e difícil. Primeiro, porque quem está no poder tem sempre a oportunidade de poder decidir e executar, o que não é análogo a quem está na oposição. Quantas ideias levadas pela oposição para o bem comum, são pura e simplesmente chumbadas por uma questão partidária? Muitas".