Os alemães gostam de Angela Merkel e, segundo as sondagens, querem que ela cumpra o seu mandato de chanceler até ao fim, ou seja, 2021. O mesmo não se poderá dizer em relação ao seu governo. O problema não é um, são vários: é o seu partido, os seus aliados bávaros, os seus parceiros de coligação sociais-democratas, a fadiga, o descontentamento generalizado, a ascensão da extrema-direita. Longe vão os tempos de predominância dos democratas-cristãos e dos sociais-democratas. O centro alemão entrou em crise e, atualmente, a CDU/CSU de Merkel disputa com os Verdes o primeiro lugar nas intenções de voto num cenário de eleições legislativas antecipadas. O SPD entrou em modo travessia do deserto..Face a este cenário, a pergunta que muitos colocam é a seguinte: conseguirá Merkel realmente chegar a 2021? Ela, inamovível, com a mesma postura que liderou a crise financeira e económica da UE, diz que sim. "Claro que respeito a decisão do SPD em relação ao sucessor de Andrea Nahles. Além disso, gostaria de falar em nome do governo, dizer que vamos continuar com o trabalho do governo deste país com a mesma dedicação. As questões que temos de enfrentar estão na ordem do dia, na Alemanha, na Europa e em todo o mundo. É nesse espírito que vamos continuar a trabalhar juntos", declarou a chanceler, no passado fim de semana, quando Nahles se demitiu de líder do SPD, após os maus resultados obtidos nas eleições regionais do estado federado de Bremen e nas europeias. Nas primeiras sofreu a sua primeira derrota em 73 anos e nas segundas ficou em terceiro lugar, atrás do partido dos Verdes de Annalena Barbock e Robert Habeck. Aliás, nestas eleições europeias, somados, CDU/CSU e SPD já não conseguem chegar aos 50%. Os sociais-democratas têm agora, até ver, três líderes interinos: Thorsten Schäfer-Gümbel, Manuela Schwesig e Malu Dreyer..SPD nasceu no século XIX.O SPD é o partido mais antigo da Alemanha. Formado como movimento de trabalhadores radicais em 1863, século XIX, deu à Alemanha três chanceleres no pós-guerra. Face à ascensão dos nacional-socialistas de Hitler, o SPD resistiu sempre até ao fim. "Podem tirar-nos a liberdade, as nossas vidas, mas não podem tirar-nos a nossa honra", disse o líder Otto Wels, que morreu em 1939, quando estava no exílio em Paris. Muitos líderes do partido foram assassinados. Willy Brandt, um dos mais famosos chanceleres do SPD, sobreviveu aos nazis fugindo para a Noruega. Numa altura em que o mundo ainda olhava com desconfiança para a Alemanha, Willy Brandt ajoelhou-se no monumento às vítimas dos nazis no Gueto de Varsóvia e desenvolveu a sua política de aproximação ao Leste, a chamada Ostpolitik, envolvendo a Alemanha comunista e contribuindo para a queda do Muro de Berlim a 9 de novembro de 1989..Brandt caiu em desgraça ao descobrir-se que um dos seus próximos era um espião da RDA e foi sucedido por Helmut Schmidt, o qual desenvolveu uma economia keynesiana que ajudou os alemães a dar a volta depois do choque petrolífero de 1973. A seguir a ele, Gerhard Schröder, que governou durante dois mandatos em coligação com os Verdes, então liderados por Joschka Fischer. Schröder ficou conhecido por desenvolver o Harz IV, uma série de reformas do Estado social que foram e continuam a ser impopulares, mas permitiram a década de prosperidade e expansão já nos mandatos de Merkel. A assinalar, o cisma que levou à saída do SPD do histórico Oskar Lafontaine para se juntar ao Die Linke (o partido assumiu esse nome em 2007). Schröder ficou também para a história pela sua oposição à invasão do Iraque em 2003 e pela amizade com Vladimir Putin (hoje em dia trabalha para a Gazprom, a gigante russa do gás)..As grandes coligações.Depois de Schröder veio Merkel e com ela regressaram as grandes coligações (o precedente de uma aliança CDU/CSU-SPD ocorrera entre 1966 e 1969). Nos primeiros anos a aventura nem correu muito mal, a chanceler conservadora e o seu então ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, lideraram com mão de ferro a crise do euro. Merkel, que tanto criticara o salário mínimo, cedeu, de forma pragmática, à exigência do SPD no sentido de criar um na Alemanha. Mas, à medida que o tempo passava, tornava-se cada vez mais difícil diferenciar o que era CDU/CSU e o que era SPD. Quando Merkel abriu aos portas a 1,5 milhões de refugiados e migrantes em 2015, os sociais-democratas, pró-integração de migrantes, ficaram sem o que apontar à chanceler na campanha das legislativas de 2017, ao contrário, por exemplo, da AfD. O partido de extrema-direita capitalizou o descontentamento, sobretudo na Alemanha de Leste, tendo levado a extrema-direita de volta ao Bundestag pela primeira vez no pós-II Guerra Mundial..O que aconteceu à CDU de Merkel?.A AfD conseguiu entrar no Bundestag, nos Parlamentos de todos os estados federados e manter-se estável nas sondagens (na última surgia empatada com o SPD com 13%). A haver eleições antecipadas, poderia roubar ainda mais votos à CDU/CSU. Os ataques do ex-líder da CSU a Merkel não surtiram grande efeito e, apesar deles, Horst Seehofer, que é ministro do Interior da Alemanha, viu a sua CSU perder a maioria absoluta que tinha no parlamento regional desde 1957. Também muito por causa do efeito AfD. Outro fenómeno que poderia emergir em eleições seria um resultado histórico dos Verdes..A somar a tudo isto, a evidência de que Merkel parece ter-se equivocado na sucessora como líder da CDU. Annegret Kramp-Karrenbauer, conhecida como AKK, tem 36% de taxa de aprovação apenas e a sua guerra com os youtubers comeu-lhe muitos pontos. Estes apelaram, nas europeias, a um voto contra os partidos da Grande Coligação. Ela respondeu sugerindo uma censura aos youtubers e o resultado foi desastroso. AKK é agora o alvo favorito dos youtubers alemães. Da reunião do partido no passado fim de semana, que ela convocou à revelia de Merkel, não saiu aquilo que alguns antecipavam há meses, ou seja, a saída de Merkel do poder, para abrir passagem a AKK. Em entrevista à CNN, a chanceler, de 64 anos, deixou claro que não pretende sair antes do final do mandato..Como o vai fazer é outra pergunta sem resposta fácil. Se houver eleições, como referido, CDU/CSU e SPD podem perder ainda mais votos para AfD, Verdes, FDP e Die Linke. As coligações posteriores adivinham-se difíceis. Os Verdes não perdoam a Merkel o escândalo do Dieselgate e aos liberais do FDP o referendo pela não extinção de Tegel, um velho aeroporto de Berlim. E poderiam não aceitar ser o elo mais fraco de uma aliança com o SPD se tiverem mais votos. O mesmo de aplica, sem eleições, se o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, instar os partidos a encontrar nova solução de governo. Será um governo em minoria a única saída para Merkel aguentar até 2021?