O que poderá fazer Pequim?
Para lá de todos os horrores, a guerra na Ucrânia teve dois resultado que Moscovo não esperava: por um lado, fez renascer o Ocidente, que se uniu de uma forma que não víamos desde o fim da Guerra Fria e, por outro, mostrou o patriotismo Ucraniano, que Putin desdenhava. Um mês depois do início da guerra, a Ucrânia resiste e a NATO, o G7 e a União Europeia trabalham em conjunto, coordenam posições e ultrapassam os bloqueios e as dificuldades que em fevereiro pareciam intransponíveis.
No Pacífico, a outra grande potência do séc. 21 está numa situação mais complexa. Para compreender o dilema do Presidente XI, é útil recordar o contrato social proposto por Pequim, que se baseia em garantir aos chineses níveis de crescimento económico e desenvolvimento social assinaláveis, acompanhados pelo monopólio político do Partido Comunista, no famoso "um país e dois sistemas" onde o capitalismo económico convive com o centralismo político. Aliás, o Presidente Xi deixou a sua visão da organização do mundo muito clara em 2017, quando falou sobre "uma globalização regulada sem impacto nos sistemas políticos dos Estados".
Para manter o contrato social, a China tem que participar no mercado mundial, vendendo, investindo e fornecendo bens e serviços a quem os possa comprar e o Novo Caminho da Seda é um instrumento para garantir o crescimento económico e o desenvolvimento social. O Novo Caminho da Seda é, também, um instrumento de expansão da presença externa da China, oferecendo um modelo de desenvolvimento que tem permitido aumentar a sua influencia um pouco por todo o mundo e em particular em África.
O crescimento económico e a presença política da China voltou as atenções para o desafio que Pequim representa para o Ocidente, que começou na Administração Obama e acentuou-se na Administração Trump. Em poucos anos, estabeleceu-se um mecanismo de contenção económico e comercial da China, nomeadamente as dificuldades criadas na aquisição ou participação na construção de infra-estruturas estratégicas no Ocidente por parte de empresas chinesas e também à criação de mecanismos de contenção militar no Pacífico sul. Em resposta, Pequim procurou apoio em Moscovo e estabelecendo uma aliança de países soberanistas que não se reveem no modelo liberal e multilateral, que foi reforçada duas semanas antes do início da crise.
A invasão da Ucrânia mudou tudo e ao longo deste mês a China tem procurado manter a mais estreita neutralidade, abstendo-se, com uma exceção, em todas as votações na ONU e recusando-se apoiar a Rússia militarmente e financeiramente. Ao mesmo tempo, a China não acompanhou as sanções económicas e tem não condenou Moscovo. Pequim dá uma no cravo e outra na ferradura.
Se a China jogar bem as suas cartas poderá ter a chave do conflito na mão, pois será o único país com capacidade para influenciar Moscovo e a Ucrânia no sentido de se chegar a uma solução diplomática e acabar com a guerra, o que poderia fazer em troca de voltar a ter acesso livre aos mercados ocidentais, condição necessária para manter o seu Contrato Social e a sua influência no mundo.
Note-se, no entanto, que tudo o que foi dito antes pressupõe que as relações internacionais são um exercício racional... e Moscovo tudo tem feito para nos lembrar que nem sempre assim é!
Investigador associado do CIEP / Universidade Católica Portuguesa
bicruz.dn@gmail.com