O que não aprendemos com o 11 de Setembro
Devemos ler o 11 de Setembro de 2001 como um paradigma. Há um antes e um depois. Foi vertical: redefiniu condutas político-morais, dinâmicas geopolíticas e afectou gestos do quotidiano. Tratou-se, por isso, de uma vitória para quem o fez. Um punhado de jihadistas pôde condicionar as grandes decisões da comunidade internacional e familiarizar o mundo com a sua causa.
Contudo, vinte anos depois, há pelo menos três grandes lições que teimamos em não aprender.
Lição nº 1 -Político-Filosófica: o fim da história?
Os anos 90 desproviam o Ocidente de inimigos existenciais e a globalização mitigava diferenças. Fukuyama "declarou" o fim da história no dealbar de uma década de optimismo. Mas o 11 de Setembro não só apontou a falácia deste raciocínio, como o inverteu. Ou seja, demonstrou que há factores identitários reactivos à globalização que, sem grande sofisticação tecnológica ou organização política, querem e podem facilmente pôr em causa o nosso modus vivendi. Por outro lado, os ataques só foram possíveis pela abertura e confiança proporcionada pelas sociedades democráticas.
Daqui retiramos duas conclusões.
1) A violência política tornou-se profundamente identitária. Ressurgiu uma violência centrada em manifestações de identidade, nomeadamente étnica e religiosa. Se a primeira se tende a desenrolar no interior dos Estados, a segunda excede-os globalmente. Mas estas identidades tendem a fundir tradicionalismo com estruturas de pensamento político ocidental e moderno. O islamismo deve assim ser lido como uma ideologia de fundamento religioso, mas de vocação secular.
2) A tribalização tornou-se numa reacção generalizada. Nos últimos 20 anos surgiram posições extremadas opostas e reactivas, mas de dependência mútua. Na Europa, por exemplo, a retórica islamista precisa da extrema-direita. E vice-versa. Estão no mesmo lado da moeda: o da perversão da modernidade ocidental. O choque não é civilizacional, como disse Huntington, mas identitário e profundamente ideológico.
Lição nº 2 - Político-Militar: "a guerra é um camaleão".
Clausewitz tinha razão. Para o general prussiano a guerra é um camaleão. É constante na essência, mas sofre alterações porque se adapta ao contexto. Um camaleão será sempre camaleão - a cor é que vai mudando. Ou seja, a forma de fazer guerra é que está em permanente mudança. Consoante o contexto, as partes em confronto vão variar, assim como os objectivos de luta e as armas utilizadas. A al-Qaeda já tinha declarado guerra ao Ocidente por duas vezes, em 1996 e 1998. E o terrorismo foi o método mais eficaz para a levar a cabo. No fundo, estes ataques demonstraram a prevalência dos conflitos não convencionais e assimétricos. Em vinte anos o terrorismo jihadista globalizou-se como forma de guerra. E veio para ficar.
Daqui retiramos mais duas conclusões.
1) Sobrevalorizamos a eficiência técnica. A superioridade tecnológica por si só não é suficiente para garantir resultados militares favoráveis quando há intenções absolutas de um dos lados e o suicídio é uma arma.
2) Estamos linguisticamente desarmados. A nossa linguagem perdeu capacidade de acção. A violência terrorista impingiu uma perspectiva sanguinária que o Ocidente já não é capaz de contemplar. Recusámos uma denominação clara e distinta dos termos que definem um conflito. Há uma espécie de pânico político na emergência de expressões que consideram a violência e a guerra. Não as assumimos e perdermos o controlo da realidade geopolítica. Osama Bin Laden sabia-o.
Lição nº 3 - Político-Social: "O medo vai ter tudo".
O 11 de Setembro apontou a nossa total vulnerabilidade. Por um lado, demonstrou a incapacidade dos Estados na erradicação deste tipo de ameaça. Por outro, na diferenciação identitária viu-se a causa do problema. A resposta ao primeiro caso foi uma securitização do nosso quotidiano. Ao segundo, foi uma polarização social. Houve, portanto, uma subversão da ordem instituída. O Poema Pouco Original sobre o Medo do Alexandre O"Neill, referido acima, ajuda-nos a compreender bem um dos principais objectivos do terrorismo - a disseminação do medo, que quebra a relação de confiança. A vitória final será, precisamente, as consequências do medo de termos medo.
Daqui retiramos outras duas conclusões.
1) As sociedades polarizaram-se. O temor gerado pela violência foi catalisado na etnicidade ou na cultura religiosa dos perpetradores do atentado. Pelo receio de ataque, geraram-se desconfianças e compartimentaram-se ainda mais as sociedades. Daqui há margem para mais ressentimento, logo de continuidade da causa.
2) Em nome da segurança, alteraram-se dinâmicas políticas. O medo e a polarização ajudaram ao ressurgir de políticas extremistas. Na perspectiva de jihadista, esta questão é, in extremis, a grande vitória. Por um lado, há a influência de um actor não-estatal nos desígnios democráticos dos Estados ocidentais. Por outro, exacerbam-se as tensões entre os vários países, gerando uma reacção defensiva e agressiva, que porá em causa os vários acordos de solidariedade política que garantiram, por exemplo, o processo de construção europeu.
Ainda vamos a tempo. Mas não tardemos na aprendizagem.
Nova School of Law
Autor do Livro Jihadismo Global: Das Palavras aos Actos