As eleições do passado domingo, confirmaram em traços gerais o que a maioria das sondagens tinha apontado. O PS ganhou modestamente, o BE estagnou, a direita e a CDU perderam votos e deputados e o PAN cresceu. Há maior fragmentação partidária, com a entrada de três novos partidos para a Assembleia da República. Agora, no rescaldo das eleições, podemos avançar com algumas análises, ainda que preliminares. Como fica a geografia eleitoral depois de 6 de outubro? Será que ainda conseguimos identificar os tradicionais bastiões da direita, a norte, e os tradicionais bastiões comunistas, a sul? Onde é que a direita mais perdeu? O que aconteceu à CDU? Onde é que o PAN mais cresceu? Quem ganhou e perdeu mais em relação a 2015?.A análise que se segue para responder a estas questões é feita com base nos resultados oficiais dos partidos ao nível nacional e distrital, mas sobretudo municipal. Fica o alerta, que com este exercício não se pretende analisar transferências de voto entre partidos, nem os dados analisados permitem esse tipo de análises, nem tirar conclusões sobre comportamentos individuais com base nos padrões identificados ao nível municipal..PS com capital político reforçado.As projeções das várias sondagens confirmaram-se com a vitória do PS com 36,7% dos votos nas legislativas, de 6 de outubro. O PS ficou em primeiro lugar em mais de 200 concelhos. Obtém os melhores resultados eleitorais nos concelhos de Baião (Porto), Campo Maior e Gavião (Portalegre), Santa Cruz da Graciosa e Porto Santo (Açores), onde arrecada mais de 50% dos votos..Comparando com os resultados obtidos em 2015, o PS ganhou mais votos e mandatos eleitorais, elegendo agora 106 deputados. Não o suficiente para uma maioria absoluta, mas sai com o seu capital político reforçado e mais margem de manobra para negociar à esquerda no futuro. Manobras essas que ainda estão a ser desenhadas e cujos desenvolvimentos tanto podem incluir o PCP-PEV, o BE e ainda o LIVRE ou o PAN. António Costa deixou a porta aberta para estas quatro forças políticas no seu discurso pós-eleitoral..Em relação a 2015, o PS ganhou maior percentagem de votos na Madeira (+12.51%), em Aveiro (+6.41%) e em Leiria (+6.27%), ficando apenas aquém do resultado nos Açores, onde perde agora residualmente 0,35% dos votos. O PS ganhou em todos os círculos eleitorais em Portugal continental comparando com as eleições de 2015. Mas continuando a fazer comparações, se recuarmos no tempo, até 2009, quando o PS de José Sócrates obteve também 36,7% dos votos e ultrapassou os dois milhões de votos, observamos que Costa podia ter feito mais, estando apoiado numa conjuntura económica muito mais favorável do que aquela que o país enfrentava então. Passados dez anos, o PS elege quase mais dez deputados com menos votos. Menos 200 mil votos do que em 2009. O que nos revela isto sobre o desempenho do PS? Pode não revelar nada e ser apenas conjuntural ou pode, de facto, representar a erosão dos partidos mainstream do sistema partidário, incluindo também o PSD. Ambos têm perdido apoio eleitoral nos últimos 20 anos. A teoria da erosão partidária dos partidos tradicionais ganha ainda mais força com a recente entrada de novas forças políticas na AR, tanto à esquerda como à direita, o que poderá significar reorganizações em ambos os quadrantes políticos e até realinhamentos eleitorais no futuro..CDU perde votos e mandatos. A CDU obteve 6,46% dos votos, menos quase 2% dos obtidos em 2015, o que equivale a uma perda de 116 mil votos. Este resultado significa uma perda de cinco deputados. O mau resultado soma-se aos sucessivos maus resultados obtidos recentemente nas eleições europeias e também nas autárquicas..Nestas legislativas, as maiores perdas da CDU dão-se curiosamente em Setúbal (-3,05%), Évora (-3,01%), Santarém (-2%) e também no distrito do Porto (-2%) em relação a 2015. A coligação PCP-PEV não cresceu em nenhum dos círculos eleitorais comparando com os resultados obtidos na eleição de 2015..A coligação obtém melhores resultados em contextos demograficamente menos densos e menos religiosos - características de grande parte do sul do território continental português. Mas também em alguns destes contextos acabou mesmo assim por perder peso político, como em alguns concelhos de Évora e Santarém. Embora as perdas sejam significativas, a CDU mantém-se como segunda força política mais votada em 29 concelhos, como Aljustrel, Cuba e Serpa (Beja), Arraiolos e Portel (Évora). Em todos estes concelhos, a CDU consegue ainda arrecadar um terço dos votos. Por outro lado, os dados parecem sugerir que a CDU perde em grande medida nos círculos eleitorais onde a abstenção foi mais elevada..BE perde votos mas mantém deputados.Em maio, nas europeias, o BE tinha várias razões para festejar. O partido tinha duplicado o número e a proporção de votos em relação a 2014. Agora, perde duplamente em número e proporção de votos face às legislativas de 2015, perdendo votos em vários círculos e crescendo, apenas residualmente, em alguns. É natural que o partido tenha tido ganhos consideráveis nas eleições europeias que agora não se repetem nas legislativas, dado que eleições de segunda ordem, como as europeias, beneficiam normalmente os pequenos e médios partidos. Mesmo assim o partido estagnou face a 2015. Manteve o grupo parlamentar de 19 deputados, mas não cresceu, perdendo inclusive votos na globalidade. Mas afirma-se como terceira força política em mais de 200 concelhos, como Portimão e Olhão (Faro), Setúbal (Sines), Marinha Grande (Leiria) e Condeixa-a-Nova (Coimbra), onde alcança o seu melhor resultado a nível nacional. Comparando com 2015, o Bloco perde sobretudo na Madeira (-5,46%), mas também em menor proporção em Lisboa (-1,19%) e em Faro (-1,79%). E onde ganha, ganha no máximo apenas mais 1,28% dos votos do que em 2015, como aconteceu em Coimbra..Por que razão o BE não cresceu? Terá estagnado como consequência do acordo parlamentar que realizou com o PS e pela viabilização dos quatro Orçamentos do Estado durante esse período, ou como consequência do crescimento do PAN e do Livre nos círculos eleitorais urbanos? A análise dos dados agregados disponíveis sugere que a sua estagnação terá servido, em parte, para consolidar a posição do PS e o crescimento do Livre. De facto, como se observa nas figuras em baixo, existe uma correlação inversa, mas de magnitude fraca, entre a variação dos resultados eleitorais do BE e a variação dos resultados do PS e do Livre em relação a 2015. O mesmo não se verifica quando comparamos a variação com o PAN..PPD-PSD e CDS em queda livre?.A direita perdeu peso político na Assembleia da República com as eleições de 6 de outubro. Embora Rui Rio tenha feito um discurso vitorioso, o resultado do passado domingo ficará como o quarto pior do PPD-PSD em eleições legislativas (27,9%), abaixo de Santana Lopes em 2005 (28,77%) e de Manuela Ferreira Leite em 2009 (29,11%). Já no CDS-PP, a perda de 13 deputados levou Assunção Cristas a convocar eleições e a não recandidatar-se. Os melhores resultados do CDS são em Ponte de Lima (Braga), Santana (Madeira), Vale de Cambra (Aveiro), onde consegue manter o 3.º lugar. O CDS consegue ficar em 3.º lugar em 39 dos 308 concelhos do país. Já o PSD consegue ficar em 1.º lugar em 27% dos concelhos (83) do país, sobretudo no norte e centro, como Boticas e Valpaços (Vila Real), Vimioso (Bragança), Vagos (Aveiro) e ainda na Calheta (Madeira). Mas perdeu pela primeira vez vários concelhos para o PS, como Proença-a-Nova e Santa Cruz. Para compararmos com o resultado da coligação Portugal à Frente, de 2015, na qual CDS e PSD se aliaram, somámos os resultados eleitorais do PSD e do CDS em 2019..As maiores perdas foram sem dúvida nos distritos de Leiria (-9,56%), Viseu (-8,97%) e Aveiro (8,86%). E não cresceram em nenhum círculo eleitoral. A pergunta que se faz é: para onde foram os votos que a direita tradicional perdeu? Será que os novos partidos a desafiar o espaço político deram um empurrão?.O cruzamento entre a variação percentual de votos no PSD-CDS entre 2019 e 2015 face aos dos outros partidos sugere que os novos partidos, como acontece com a Iniciativa Liberal, não retiram palco aos partidos tradicionais..PAN ganha um grupo parlamentar.Depois da surpresa da noite eleitoral de 26 de maio, em que o PAN conseguiu eleger pela primeira vez na sua história um deputado para o Parlamento Europeu, o partido volta a surpreender. Como já mencionado, as europeias são o palco perfeito para surpresas desta natureza. Já as legislativas nem tanto. Veja-se pelo BE, que quando entrou no Parlamento pela primeira vez, em 1999, conseguiu dois deputados, mas nas eleições seguintes, em 2002, cresceu 50%, ganhando apenas mais um mandato. O PAN é um caso de crescimento, claramente mais rápido e acentuado. O partido cresceu 400% de 2015 para 2019. Claro que as circunstâncias são diferentes e o tempo de legislatura e trabalho parlamentar foi também ele diferente. De qualquer das formas, a comparação ilustra bem o rápido crescimento do PAN, crescimento que também é embalado pelo contexto internacional e pela agenda climática que está cada vez mais em cima da mesa..O PAN cresceu em todos os círculos eleitorais, o que lhe permitiu quadruplicar a sua presença no Parlamento. Com 3,28% dos votos, ou seja, cerca de 166 mil votos, o PAN tem agora quatro deputados..Comparando com 2015, o maior crescimento dá-se no distrito de Faro (+2,77%), embora o partido não consiga eleger por esse círculo que tem uma magnitude eleitoral bastante pequena, dificultando assim as contas aos pequenos partidos. Aliás, a zona do Algarve tem sido uma grande aposta do partido. Os seus cinco melhores resultados, onde alcança mais de 5%, são na zona algarvia. O partido cresce ainda consideravelmente em Setúbal (+2,54%) e Lisboa (+2,41%), permitindo obter um mandato por Setúbal e um segundo mandato por Lisboa. Conseguiu também um bom resultado no Porto, o que lhe garantiu mais um mandato eleitoral. Os bons resultados nestes círculos eleitorais não são surpresa, nas europeias observámos o mesmo. A força do PAN encontra-se geograficamente concentrada nas zonas em que o partido detém já uma forte presença territorial, com a implantação local de comissões políticas concelhias, como acontece em Faro. Resumindo, o PAN some e cresce em todos os círculos eleitorais, crescendo sobretudo nos círculos eleitorais urbanos onde também a Iniciativa Liberal e o Livre têm melhor desempenho..Novos partidos: Livre, Iniciativa Liberal e Chega.Nas eleições europeias, o Aliança foi o mais votado no conjunto dos novos partidos, com 1,9% a nível nacional. Contudo, nas legislativas ficou longe de eleger..O Chega de André Ventura conseguiu 1,30% dos votos, o Iniciativa Liberal, fundado apenas há dois anos por Carlos Guimarães Pinto, arrecadando 1,20% dos votos. O Livre, que já tinha tentado a sua sorte nas legislativas de 2015, conseguiu agora 1,06% dos votos. Fez-se história, por várias razões. Nunca antes três novos partidos tinham entrado em simultâneo para a Assembleia da República. Nunca antes um partido de extrema-direita (Chega), que defende por exemplo a introdução de legislação sobre a castração química como forma de punição de agressores sexuais (p. 37 do programa eleitoral), tinha chegado próximo da casa da democracia..Para percebermos melhor as dinâmicas destes novos partidos, cruzámos os seus resultados com os obtidos pelos outros partidos. Verificámos que não existe aparentemente um padrão de competição direta com os partidos tradicionais do sistema (à esquerda com a CDU, o BE e o PS e à direita com o PSD e o CDS-PP). O que se observa, acima de tudo, é que o Livre tende a obter resultados eleitorais mais expressivos nos concelhos em que o PAN e o Iniciativa Liberal também foram mais votados (coeficientes de correlação entre 0,63 e 0,78) e vice-versa. Isto sugere que existem círculos eleitorais onde a competição eleitoral está mais cristalizada em torno dos partidos tradicionais. E existem outros, sobretudo nos distritos do litoral, mais urbanos e cosmopolitas, em que estes novos partidos, independentemente da sua ideologia ou natureza, conseguem ganhar maior apoio eleitoral. É também nestes círculos, com maior magnitude eleitoral, que estes partidos apostam durante a campanha eleitoral, como aconteceu em Lisboa, onde o Iniciativa Liberal e o Livre obtiveram a maioria dos seus votos..Sobre a sobrevivência parlamentar futura destes partidos, pouco se poderá antever para já. Sabemos que características como a moderação política do partido e a participação em coligações governamentais afetam a capacidade de sobrevivência de novos partidos parlamentares. Mas vamos precisar de esperar por mais eleições para sabermos de facto o que se avizinha. De qualquer das formas, estas novas dinâmicas partidárias devem ser entendidas como um claro sinal de vitalidade da cidadania da sociedade portuguesa assim como uma forte mensagem para os partidos instalados e do arco da governação.