O que há para lá do portão da Real Vinícola? A Casa da Arquitetura
Cheira a novo quando se entra no edifício central da Casa da Arquitetura, esses dois pisos onde no final do século XIX se guardaram pipas de vinho e agora se guarda memória. Em papel, documentos, maquetes, fotografias e o que demais exista para guardar o rasto do arquiteto em cada obra e depois mostrar ao público.
"É para levar a arquitetura a não arquitetos", salientou na apresentação à imprensa, nacional e internacional, ontem de manhã, o diretor-executivo Nuno Sampaio. Vem repetindo a frase, como mantra, há muito. Levou-a à Bienal de Arquitetura de Veneza, onde Álvaro Siza era o protagonista, e se fez a primeira apresentação. "É para arquitetos e não arquitetos". Chama-lhe "a Casa". Somente. E essa designação é já aparece em alguns indicações no edifício que a alberga, na recuperada Real Vinícola, em Matosinhos.
O projeto de requalificação é de Guilherme Machado Vaz, arquiteto do município. "É o maior projeto que já tive e provavelmente não vou ter outro", atira, perante a empreitada, lembrando o tempo recorde do processo. Meio ano para apresentar o projeto e candidatar-se aos apoios europeus, um ano à volta do projeto de execução e dois anos de obra. Os números: 4900 metros quadrados distribuídos pelo arquivo, preparado para receber diferentes materiais com diferentes necessidades, uma galeria no exterior onde se pode ver a X BIAU - Bienal Iberoamericana de Arquitetura e Urbanismo, e a nave de 900 metros quadrados, no piso 2, onde está aquela que ficará para a história como a exposição que inaugura a Casa da Arquitetura -- Poder Arquitetura, com curadoria de Jorge Carvalho, Ricardo Carvalho e Pedro Bandeira. Qual é a relação da arquitetura com o poder?
Oito poderes da arquitetura, uma exposição
Que poderes tocam esta disciplina? Coletivo, regulador, tecnológico, económico, doméstico, cultural, mediático, ritual. Jorge Carvalho explica-os: "Estes vários campos da sociedade relacionam-se. Estão sempre em ação e aquilo que este tema nos traz é a noção de que o poder é difuso na situação contemporânea. Atua não por coerção como nas ditaduras do século XX da Europa, mas sobre aquilo que antecede a arquitetura e os meios em que é concebida."
Entrando na exposição, eles inscrevem-se nas paredes para lá da rede que separa o visitante dos documentos e fotografias das obras. "Parece um muro, mas não é", nota Ricardo Carvalho. Vê-se para lá dessa barreira. Metaforicamente, como o trabalho dos arquitetos, que, podem "encontrar soluções a favor dos lugares e das pessoas, apesar de forças sombrias", explica o curador.
Foram escolhidos 36 projetos. Dos londrinos Assemble aos Design Workshop, autores de uma ponte que ligou duas partes da cidade de Durban que não se tocavam. Do banco de sementes construído na Noruega ao multiusos projetado pelo escritório de Rem Koolhaas para Roterdão. Da proposta não concretizada de Siza o Alhambra a um pequeno mercado em Besiktas. "Esta seleção tem projetos dos cinco continentes, com predominância de Portugal, Europa e ocidente", observa Jorge Carvalho.
Programação de 1,5 milhões
Com um orçamento de 3 milhões de euros repartidos por "infraestrutura, funcionários, programação", a gestão tem de ser "cuidadosa", afirma o diretor-executivo. A programação é metade deste número, nota. "O CCA [o Canadian Centre for Architecture] tem 40 milhões de dólares só para programação", compara. Anualmente, a Casa pretende realizar quatro exposições, a par do trabalho arquivístico, que inclui uma parceria com a Direção Geral do Património Cultural para disponibilizar os projetos à guarda do Forte de Sacavém.
Foi ideia do anterior presidente da câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto, falecido este ano, trazer a Casa da Arquitetura para este espaço, abandonado desde os anos 30, onde o vinho era levado de comboio até ao porto, uma memória mantida por Machado Vaz nos corredores cinzentos que atravessam a Real Vinícola.
A Casa, ainda sem casa, nasceu em 2007. Um outro projeto, de Álvaro Siza esteve em cima da mesa mas não avançou por falta de financiamento. Esteve instalada na casa Roberto Ivens, onde o primeiro prémio Priztker nasceu e cresceu, no concelho de Matosinhos. Foi também no concelho que fez as primeiras obras - a piscina de Quinta da Conceição, a piscina das Marés e a Casa de Chá da Boa Nova. Estes projetos de arquitetura, do arquivo municipal, fazem já parte dos 112 500 desenhos do acervo que já se guarda na Casa da Arquitetura. Também lá estão depositados painéis de desenho e fotografias de Souto Moura e 606 das suas maquetes. Parte delas, podem ser vistas de perto este fim de semana, dias de programação especial, em que será possível passar a parede de vidro que dá vista privilegiada para o arquivo.