O que ganhou Portugal com a Web Summit? 

No início da terceira edição da Web Summit em Portugal, é hora de fazer o balanço e perceber, afinal, quem mais tem saído a ganhar.
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A primeira vez que Portugal e a Web Summit se olharam foi pela mão da Codacy, uma startup portuguesa, representada na edição de 2014 da conferência e vencedora do Beta Award, o concurso de startups promovido todos os anos pelo evento, onde naquele ano concorriam 199 projetos. A Web Summit cresceu, e com ela também Portugal, quando esta para cá se mudou em 2016.

A maior cimeira tecnológica, de inovação e de empreendedorismo, nascida em 2010 na Irlanda, chegou com a promessa de ficar durante três anos, mas, no início de outubro deste ano, o governo acordou albergar a conferência na capital por mais outros dez, até 2028. Paddy Cosgrave, CEO da cimeira, escolheu novamente Portugal, num baralho do qual faziam parte grandes cidades europeias como Madrid, Berlim e Valência. A edição de 2018 arranca na segunda-feira, dia 5, na Feira Internacional de Lisboa (FIL) e no Altice Arena. Ao final de dois anos de namoro, é hora de fazer as contas e impor a questão: afinal, o que nos trouxe a Web Summit?

De acordo com o antigo ministro da Economia Caldeira Cabral, 300 milhões de euros é o valor com o qual a Web Summit contribui para a economia do país, assumindo que podem até ser superiores. São, por isso, mais de 300 milhões de euros contra os 11 milhões por ano investidos por Portugal na conferência, este valor repartido entre a Câmara Municipal de Lisboa e retirado do Fundo de Desenvolvimento Turístico bem como de outras instituições do Ministério da Economia e Câmara de Lisboa. Para o total dos dez anos, serão então gastos 110 milhões.

Uma cidade que ganhou mapa

Desde que a Codacy venceu os chamados Óscares das startups da Europa, milhares de utilizadores, espalhados por 1814 cidades do mundo, recorrem todos os dias aos seus serviços de revisão de código. São a prova daquilo que a Web Summit pode fazer por uma startup e por isso subiram ao palco na primeira edição realizada em Portugal.

Salsify, Applied Blockchain, Chainsmiths e Ground Drone são outras startups que se mudaram para o país ou arrecadaram investimento como resultado da sua presença na Web Summit. "São apenas alguns exemplos", dentro daquela que é a difícil análise de concluir que o desenvolvimento de alguma instituição se dá diretamente devido à conferência, garante João Borga, diretor da Startup Portugal. Os efeitos sentem-se essencialmente nas grandes incubadoras do país - como é o caso da StartUp Braga, UPTEC e StartUp Lisboa -, explica. "Apercebemo-nos de que as incubadoras têm cada vez mais ocupação."

Mais mulheres tech num mundo de homens

Ganharam um palco na segunda edição em Portugal, em 2017, e continuam agora o manifesto em 2018. São mulheres, profissionais na área da tecnologia. Mas ainda são poucas e, à semelhança do que acontece em outros setores, por norma vivem com condições salariais mais limitadas do que os homens na mesma área. Estão, por isso, dispostas a lutar para mudar o curso das coisas. Como a Liliana Castro, fundadora da comunidade Portuguese Women in Tech (PWIT).

A área da tecnologia já há muito que é considerada uma das mais desiguais para as mulheres de todo o mundo, mas um estudo de março de 2018, levado a cabo pela plataforma Honeypot, apontou Portugal como o país que mais oportunidades concede às mulheres na área, numa amostra de 41 países da OCDE e da União Europeia. Portugal regista a menor diferença entre os salários da tecnologia e dos restantes setores, com 7,26 por cento.

O problema está, contudo, na representação das mulheres no setor. O sexo feminino ocupa apenas 16,08 por cento dos empregos. Dados que contrastam com os de alguns países como a Bulgária, onde o género feminino ocupa 30,28 por cento destes postos de trabalho.

Aqui, Liliana Castro não acredita que a Web Summit venha "desbloquear uma coisa do zero", mas não tem dúvidas de que "vem potenciar o crescimento de coisas que já estavam a acontecer". "Eu acho que a conferência é importantíssima para a evolução de tudo. Não acho que as coisas não acontecessem sem a Web Summit, mas inevitavelmente vem ajudar no processo da visibilidade e de oportunidades para as mulheres". Quanto mais não seja, como explica Rita Marques, engenheira eletrotécnicae CEO da Portugal Ventures, porque a cimeira aumenta oportunidades no setor e, por isso, abre mais lugares para o sexo feminino ou até mesmo porque este se vai tornando um setor cada vez mais apetecível.

A fundadora da PWIT, criada para dar visibilidade às mulheres portuguesas da área da tecnologia, elogia a ação da organização da Web Summit, por onde se começa a dar voz ao tema. "Há, por exemplo, um Women In Tech lounge e um programa de mentorias. Este último permite-nos dar mentoria a outras mulheres que querem entrar no ecossistema ou mudar de carreira", conta.

Rita Marques diz já estarmos cara a cara com a mudança, pois temos "empresas mais conscientes, com mais políticas amigas da mulher, como permitir que se trabalhe a partir de casa ou a criação de um horário flexível, que são coisas que, se não existirem, normalmente afastam a mulher de construir uma carreira mais sólida neste setor, para poder dedicar-se mais à família". E isto, garante Liliana, é também uma semente plantada pela chegada da Web Summit ao país.

Nascem 800, morrem 700

As estatísticas relativas ao número e crescimento de startups em Portugal ainda são incompletas e têm como ponto de partida apenas o ano de 2016. No ano em que a Web Summit chegou a Portugal, contabilizavam-se 121 salas de incubação - com um total de 2193 startups albergadas. Um ano mais tarde, são registadas 3270 salas e 3004 startups em incubação. Entre 2016 e 2017, a taxa de sobrevivência das startups após o início da incubação subiu de 63% para 67,76% - dados cedidos pela StartUp Portugal. Numa estimativa, João Borga diz que, por ano, são criadas cerca de 800 novas startups, ao mesmo tempo que morrem cerca de 700.

Apesar dos números, que espelham não só o crescimento mas também a falta de consistência do ecossistema português, para João Borga é inegável que a Web Summit trouxe vantagens. A primeira são os óbvios efeitos de uma conferência desta dimensão num país: a visibilidade. Com ela, vem a perceção global de que Portugal, e principalmente Lisboa, existem. E "se antes teriam de montar os seus escritórios em Silicon Valley ou em Londres, hoje em dia não faz assim tanta diferença ser de Lisboa". E foi este olhar atento do mundo sobre Lisboa que permitiu, assim, fazer pontes entre Portugal e outros mercados, "atraindo mais startups e contaminando o nosso ecossistema com novos conhecimentos, pessoas com novas culturas e visões".

Desde 2016, também o nível de competitividade e exigência passou a ser outro. João Borga acredita que a agitação do empreendedorismo na capital "veio colocar alguma pressão na qualidade dos produtos que são apresentados". "O nível de exigência do nosso ecossistema interno está a subir para um nível que não seria o normal para um país periférico como o nosso, com dez milhões de habitantes. Um mercado pequeno obriga-nos a exportar, a maior conferência de tecnologia e empreendedorismo do mundo inspira-nos a mudar". Mas, diz, "falar da Web Summit não é só falar de startups". Estas representam aquela que é a nossa "economia do futuro" e, por isso, é através deles que podemos "ver aquilo que vai acontecer daqui a dez anos na indústria".

Uma década. O tempo que, já se sabe, a Web Summit ficará em Lisboa.

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