O que ficou de bom da pandemia?
O que nos ficou de bom após dois anos de pandemia de covid-19? Sabemos o que correu mal, lembramos a morte, a dor e o sofrimento, o medo, o isolamento, a solidão acrescida, o encerrar de negócios, o fim de empregos, a incerteza, o oscilar entre ser o país com mais casos do mundo e o país com mais pessoas vacinadas. Mas algo de bom pode ter ficado deste tempo e acompanhar-nos daqui por diante?
Creio que sim. A começar pela estrutura do Serviço Nacional de Saúde, que se viu perante a maior crise sanitária da sua história, e respondeu. Com problemas, com algumas insuficiências, com custos diversos - mas respondeu. Soube adaptar-se rapidamente, prever, antecipar, monitorizar, cuidar. Se alguém tinha dúvidas sobre a vantagem e a virtude de um serviço público de saúde, universal, custoso (20% dos nossos impostos vão para o SNS e para a saúde paga pelo Estado), mas eficaz nas questões determinantes, talvez agora a sua dúvida tenha sido respondida. Desde logo com a abnegação e sentido de serviço de muitos profissionais, de saúde e da sua gestão.
Depois, a capacidade de adaptação de muitos outros serviços públicos. Que passaram em poucas semanas de trabalho presencial para trabalho à distância, que encontraram formas alternativas de corresponder às necessidades das pessoas, que se transformaram totalmente para manter um nível de serviço, por vezes mínimo, mas fundamental. Sem esquecer as escolas e os professores, que também se transformaram noutra coisa, mas mantendo a sua natureza e o seu trabalho decisivo.
Também testámos a confiança e a fiabilidade de serviços estruturais hoje, como a distribuição e as telecomunicações. Que não falharam. Não faltou comida nos supermercados, não faltou rede nos nossos telefones e computadores, em picos muitos elevados de procura e de stress. Garantiu-se sempre a capacidade de se trabalhar à distância, de comunicar, de estender a mão a outros, mesmo quando esta não era física.
Percebemos igualmente que uma liderança política, quando empenhada e perante riscos e incertezas únicos no nosso tempo, pode fazer a diferença e marcar um momento da nossa vida comum. Não é irrelevante quem assume determinados cargos em determinados tempos. Diversos governantes e decisores públicos, a nível nacional e local, souberam manter o sangue-frio, assumir as dificuldades, preparar-se para responder o melhor que podiam e sabiam. E não era fácil - era difícil.
E testámos ainda a nossa capacidade de sermos solidários e próximos, nas maiores dificuldades. Individual e coletivamente. Houve muitos que se ofereceram para ajudar, para cuidar, para atender.
Que ultrapassaram o medo e a incerteza, a favor de uma palavra, de um gesto, de uma atenção. Que se mantiveram no seu posto, mesmo quando este não existia antes. Que souberam e quiseram ser amigos, vizinhos, ser pessoas junto de outras pessoas.
Ficaram desse tempo também as esplanadas, por fim. Sim, as esplanadas, no país com mais horas de sol por ano da Europa. O espaço ao ar livre que nunca soubemos até então verdadeiramente aproveitar e rentabilizar, mas que invadiram, e bem, o nosso espaço público, desde logo nas cidades, e que agora fazem parte, decisivamente, da nossa festa, da nossa intimidade e das nossas memórias. As esplanadas. Conquistámos a rua e não a vamos abandonar. Simbolizam bem o que custou chegar até aqui. Da menorização do risco de contágio à maximização de uma alegria posta em comum. Conquistámos a rua e não a vamos abandonar. Porque a rua somos nós também e qualquer passo aí dado é um passo sempre na direção do outro.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa