A RTP acaba de apresentar os resultados de 2020, com um desempenho manifestamente robusto. Mas o fundamental não é este exercício, é a consistência no tempo. Quando assumi a liderança da empresa apresentei um programa de qualificação da oferta em paralelo com um forte compromisso para com o equilíbrio económico. Definimos objetivos claros, marcando linhas vermelhas e permitindo o acompanhamento por todos: a RTP deveria apresentar todos os anos resultados operacionais (EBITDA) superiores a 10 milhões de euros, resultados líquidos positivos e haveria total controlo da dívida. Todas as premissas foram rigorosamente alcançadas: a média dos resultados operacionais dos últimos seis anos foi de 14 milhões (40% acima do plano), os resultados líquidos foram sempre positivos e inclusive reduziu-se a dívida, facto raríssimo no setor empresarial do Estado..Vale a pena, neste balanço, percorrer as linhas mestras do caminho estratégico seguido..Em primeiro lugar, creio que a RTP deve ter um posicionamento qualificado, que acrescente ao panorama audiovisual. A diferenciação traz a legitimidade. Por isso concentrámo-nos em produzir aquilo que o mercado não oferece: séries com ambição internacional, telefilmes, documentários, programas de autor. Por outro lado, quisemos valorizar todos os meios, da televisão à rádio, ao digital, e todos os canais, mesmo aqueles que primam pelo nível e não pelas audiências, como essa pérola por vezes incompreendida mas absolutamente indispensável que é a RTP2, para além de RTP Memória, RTP África, Antena 2 e 3, entre outros, que constituem um portfólio com carácter..Em segundo lugar, quisemos provar que a RTP não está condenada a ser uma empresa pública acomodada, pesada, reativa. Por isso colocámos a tónica no sucessivo lançamento de iniciativas de elevado impacto, investindo na inovação, estimulando o risco e a experimentação. Foram anos de forte afirmação, com inúmeras novidades marcantes. Lançámos os arquivos históricos online (um projeto inovador a nível europeu, que potenciou o conhecimento do património coletivo e aproximou como nunca a empresa do utilizador), realizámos um Eurovisão em Lisboa altamente elogiado além-fronteiras, desbravámos parcerias internacionais com gigantes como a Netflix e a HBO, iniciámos coproduções com operadores europeus de referência, desenvolvemos aquela que é provavelmente a melhor oferta digital do mercado (RTP Play, RTP Lab, RTP Palco, RTP Arena). Tornámos a RTP num dos players mais ativos da indústria. Quisemos jogar o nosso jogo (conteúdos diferenciadores), mas com o ritmo dos mais ágeis. Serviço público sim, mas com eficácia máxima..Em terceiro lugar, demos especial enfoque à promoção da cultura, das artes e do conhecimento. Tudo fizemos para posicionar a RTP como um propulsor dos talentos nacionais, da produção criativa, da língua. Mobilizámos atenção e recursos, até desproporcionalmente, para divulgar com intensidade as exposições e os espetáculos. Estabelecemos parcerias com Fundações, museus e autarquias, dando a conhecer as suas coleções, o seu património. Marcámos presença redobrada em festivais internacionais onde estivessem artistas portugueses. Lançámos coleções de livros, umas atrás das outras. Convidámos artistas plásticos contemporâneos para conceber peças e grafismos que passaram a integrar a imagem televisiva. Associámo-nos às indústrias criativas, como a moda e o design, demos espaço às artes performativas, procurámos mostrar o interessante e o menos óbvio. Acredito profundamente neste compromisso e discriminação positiva para com este setor tão subfinanciado. Dizer presente, apoiar a cultura com entusiasmo e consistência - tornámos isto numa marca decisiva para a RTP..Em quarto lugar, quisemos deixar claro que a RTP é uma empresa fiável, gerida com rigor, apresentando níveis de eficiência paralelos aos benchmarks nacionais e internacionais, capaz de combater o desperdício e alcançar superávites recorrentes. Esta credibilidade é um património determinante, num contexto em que os cidadãos são cada vez mais exigentes para com os gestores da coisa pública e intolerantes às derrapagens. Depois deste ciclo longo de equilíbrio, não restam dúvidas de que a RTP consegue inovar e alargar serviços com os meios atuais. Mais do que isso, este desempenho deslocou a discussão das questões orçamentais para os temas da flexibilidade e da produtividade. Aquilo que faz falta à RTP - e já agora ao Estado em geral - não é mais dinheiro, mas sim doses adequadas de capacidade executiva e responsabilização, incentivos ao mérito, autonomia para racionalizar os recursos em excesso, bem como para compensar e desenvolver o melhor talento. Com os mecanismos certos de gestão, será possível melhorar os serviços públicos com os mesmos meios, ou então reduzir os custos mantendo os mesmos níveis de serviço..Em breve a RTP terá uma nova administração, que seguramente irá consolidar uma estratégia de inovação e sustentabilidade, desenvolvendo uma agenda própria para seguir na linha da frente. Fico a torcer, genuinamente e com toda a alegria, para que a empresa seja bem-sucedida no futuro..Julgo que o ciclo que agora termina demonstra que os elefantes públicos não têm de ser cronicamente deficitários, podem ser lucrativos e previsíveis. Não têm de ser defensivos e burocratas, podem ser arrojados e empreendedores. Não têm de ter uma gestão politizada, devem antes guiar-se por critérios empresariais e por uma lógica de competitividade. Não têm de ser mais atrasados que os melhores do setor, podem ser inovadores e assumir a liderança em áreas críticas. Não têm de ser aborrecidos, podem ser atrativos. Foi isso que conseguimos na RTP e estou seguro de que esta estratégia, esta atitude, esta ambição, podem ser exportadas para um conjunto de instituições e empresas, públicas e privadas, possibilitando um elevado impacto para a economia..Presidente da RTP