O que é que queres ser quando fores gigante? - O momento da reforma
Uma das perguntas que mais se fazem às crianças é: "O que é que queres ser quando fores grande?". E quando já formos gigantes, o que é que queremos ser? Praticamente desde o primeiro dia em que começamos a trabalhar, em tom de brincadeira falamos da reforma. Nestas conversas, o foco é quando nos reformamos e quanto vamos ganhar. No entanto, quando se aproxima, passa a ser um tema crítico. Até que esse dia chega e, para muitas pessoas, existe um vazio. Passa de uma coisa ambicionada para uma coisa temida.
A reforma pode ser percecionada de duas formas distintas: negativamente (sinal de envelhecimento e desvalorização) ou positivamente (sinal de liberdade), geralmente quando as pessoas estão mais cansadas e desgastadas com o trabalho. A verdade é que o trabalho tem vantagens económicas, e outras mais subjetivas como a gestão e ocupação do tempo, o estatuto social e a realização e desenvolvimento pessoal. E mesmo quem perceciona a reforma como algo positivo pode experienciar esta sensação de perda passado algum tempo.
Possivelmente, todos conhecemos alguém cuja transição para a reforma foi um processo doloroso e triste, que ficou física ou mentalmente doente durante ou após este momento. Ou até já ouvimos o comentário de que esta pessoa desde que se reformou nunca mais foi a mesma. Mas a verdade é que todos vamos passar por esta transição, o desafio é torná-la mais saudável e positiva.
De forma a diminuir o impacto desta transição, é fundamental planear esta etapa, dando ferramentas às pessoas para terem uma melhor qualidade de vida, maiores níveis de satisfação e percecionarem um menor stress psicológico durante esta fase de desenvolvimento mais avançada. É na reforma que as pessoas esperam conseguir usufruir do esforço realizado ao longo da sua vida. No entanto, isso implica que, individualmente, nos foquemos em responder à pergunta "como é que vou viver a minha reforma".
Se este é um tema crítico para as organizações? Sim, a preparação da reforma permite minimizar o impacto da mesma, tornando-a num processo positivo de mudança e aprendizagem. Por um lado, permite uma gestão cautelosa da passagem de conhecimento da pessoa que sai para quem irá ocupar a sua função. Por outro, pode ser um momento de elevado stress para o colaborador, o que é prejudicial obviamente para si e para o seu desempenho, mas que também irá afetar a equipa antes, durante e após a sua saída. É comum que, na fase pré-reforma, o sentimento de pertença à organização diminua, tal como a sua autoestima e autoconfiança. As pessoas sentem-se perdidas pela incerteza do futuro.
Assim, além do benefício que traz para a organização, proporcionar programas de preparação para a reforma é um reconhecimento do trabalho desenvolvido pelos colaboradores durante o tempo em que se dedicaram à mesma.
Enquanto sociedade envelhecida, este tema também nos interessa. Vamos cada vez mais ter pessoas na reforma e durante mais tempo. De acordo com as projecções do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2020), daqui a 60 anos, Portugal terá cerca de 300 idosos para cada 100 jovens. Neste sentido, precisamos de pessoas reformadas que ainda tenham capacidade de contribuir ativamente para a sociedade. É essencial que as instituições locais criem mecanismos para integrar estas pessoas nas estruturas sociais, como voluntários, por exemplo. Além de terem esta capacidade contributiva, quanto mais ativas se mantiverem estas pessoas, mais saudável será o seu envelhecimento e, consequentemente, menores serão os custos e a pressão exercida no serviço nacional de saúde e nos lares.
Como é que vais viver a tua reforma? A reforma é uma etapa tão importante como qualquer outra, tem os seus desafios, que precisam de ser antecipados. Desde que nascemos que nos é incutida a preparação para a entrada no mercado de trabalho, temos de estudar para entrar na faculdade, para arranjar um bom emprego, para termos uma carreira. Porque é que ignoramos o pós-trabalho? Porque ainda não é tema nem preocupação, o que o torna desconfortável que seja abordado. Em suma, o planeamento da reforma potencia o ajuste das pessoas a esta nova etapa da sua vida. Ganham as pessoas, ganham as organizações, ganha a sociedade.
Psicóloga Organizacional