O que é que Portugal tem de fazer para não depender da sorte?

Presidente da República volta a realçar a importância do povo para o destino do país. Veja o que dizem outras personalidades
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Na comemoração do 13.ª aniversário, o Jornal de Negócios desafiou vários decisores do panorama político, empresarial e financeiro a partilharem o que acreditam ser necessário fazer nos próximos 13 meses para que Portugal não esteja dependente da sorte. Eis o que responderam alguns deles:

O presidente da República volta a realçar a importância do povo para o destino do país. No seu testemunho ao jornal, Marcelo Rebelo de Sousa defende que "não podemos nem devemos contar com a sorte". "Nem sequer com a ilusão de que a sempre bem-vinda solidariedade ou generosidade alheia substitui o que é tarefa nossa", acrescenta, considerando que "falta o fundamental. A vontade do Povo. Como sempre, será ele a chave do nosso destino nacional".

O primeiro-ministro realça que "tendo-se registado progressos, em particular no domínio do restabelecimento das condições de financiamento da economia, persistem importantes desafios que importa ultrapassar". Pelo que, defende António Costa, "não nos podemos limitar a dizer que não resultou". "Reconhecer que as reformas não resultaram não pode limitar o nosso reformismo. Pelo contrário, deve permitir-nos fazer o diagnóstico verdadeiro, identificar os constrangimentos que permanecem e definir as políticas e os instrumentos que nos permitem progredir", afirma, salientando que "temos um programa que procura encontrar um novo modelo de desenvolvimento para Portugal".

O Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, começa por recordar o "contexto económico e financeiro particularmente adverso" que se verificou no início da década, salientando que, apesar disso, "registaram-se progressos significativos na redução dos desequilíbrios dos bancos". "Não obstante, os níveis de rentabilidade dos bancos deterioraram-se significativamente durante este período e permanecem baixos", considera Carlos Costa. "Uma das medidas essenciais para repor a rentabilidade é extrair do balanço os ativos não produtivos através da venda a terceiros ou da transferência para um veículo que assuma a gestão e a recuperação do respetivo valor", defende.

Pedro Passos Coelho afirma que "a atitude otimista de simplesmente confiar na 'sorte' pode dar origem a um grande 'azar' e é certamente uma grande irresponsabilidade". O ex-primeiro-ministro e líder do PSD, considera, contudo, que "essa é, exatamente, a situação em que nos encontramos", pelo que é urgente atrair o investimento externo, exportar, manter e reforçar as reformas estruturais, bem como a confiança de todos os parceiros e dos portugueses. "Infelizmente, a maioria política que hoje tem a responsabilidade pela política económica e financeira está a dar demasiados sinais contrários a esta perspetiva", lamenta Passos Coelho, para quem "a falência do modelo socialista, suportado e alimentado pela esquerda radical, está à vista após seis meses de governação". "Não ficar à mercê do acaso e alargar a margem de segurança da política económica implica trabalho, esforço e persistência, mas não, necessariamente, grandes sacrifícios como os que tivemos de realizar no passado recente", defende. "Devemos fazer por merecer alguma sorte, que sempre será bem-vinda. Mas devemos tudo fazer para descartar que o azar nos possa bater à porta com mérito, que devemos fazer por desmerecer", remata.

Assunção Cristas, líder do CDS, começa o seu testemunho a considerar que "há uma certa tendência entre nós para oscilarmos entre os antípodas da análise da nossa situação e da nossa vida coletiva: ou somos muito maus, quando todos os outros são melhores, ou somos a última Coca-Cola do deserto, ninguém tem um país como nós e ninguém sabe fazer como nós". A antiga ministra da Agricultura e do Mar defende que "precisamos coletivamente de uma boa dose de realismo, de autofoco e de uma grande ambição", mas admite que "nada disto é fácil". "Implica ir, com jeito, limando características nossas muito marcadas. Implica trabalho afincado, visão de médio e longo prazo e ambição larga", defende.

Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda, entende que "as profecias de Passos Coelho tardam em concretizar-se" e realça que o aumento do salário mínimo, a devolução de rendimentos, a proteção do Estado social estão a começar a fazer-se e não veio o dilúvio, não se abriram os mares, o país não foi engolido". A candidata às presidenciais de janeiro considera que "ainda falta fazer quase tudo" e que é necessário "libertar o país das suas várias dependências: a dependência financeira, a dependência energética, a dependência alimentar", "investir no país", "reclamar margens de soberania", "rejeitar a postura de subserviência degradante".

Subir Lall e Dmitry Gershenson, responsáveis do Fundo Monetário Internacional, defendem que "Portugal continua a precisar de ser mais competitivo no plano internacional e de atrair mais investimento", o que se traduzirá "num aumento das exportações, num crescimento mais forte e numa redução do desemprego". Os técnicos consideram que "as reformas têm de se focalizar numas quantas áreas-chave em que Portugal está claramente atrás dos seus pares, como o nível da proteção do emprego, o grau de desenvolvimento da indústria transformadora, a intensidade da concorrência local e o grau de integração com cadeias de valor globais".

Para Pedro Santana Lopes, a resposta à pergunta que o Negócios coloca está em seguir o exemplo de Cristiano Ronaldo. "Treinarmos muito, trabalharmos muito, melhorarmos a nossa produtividade, termos orgulho em quem somos, assumindo sempre as nossas raízes e assumindo sempre os nossos sonhos", resume. "Ao fim e ao cabo, é aproveitar as oportunidades que a vida nos dá e Portugal, com a sua localização, o seu património, a sua história, as suas gentes, tem muitas oportunidades dadas pela vida e pela providência", salienta o advogado e provedor da Santa Casa.

Para Carlos Silva, secretário-geral da UGT, "afirmar que Portugal tem de deixar de depender da sorte é mais uma figura de estilo do que uma realidade". "Portugal precisa de uma verdadeira visão integrada e estratégica de médio e longo prazo que, ultrapassando os constrangimentos dos ciclos eleitorais, leve a assumir compromissos que resultem em políticas coerentes e estáveis em áreas centrais como a saúde, a educação, a formação profissional ou a proteção social", defende, realçando que "Portugal não depende só de si".

Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, considera que "não foi um golpe de sorte ou azar que determinou o rumo do país", mas sim a "opção política que marcou as últimas décadas e, de forma acelerada, os últimos quatro anos". O sindicalista defende que "o novo modelo de desenvolvimento que o país precisa, exige uma valorização do trabalho e a dignificação dos trabalhadores".

António Saraiva, presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), defende que "se todos, empresários, trabalhadores, decisores políticos, formos fieis às nossas responsabilidades e pusermos os nossos recursos e as nossas capacidades ao serviço dos grandes objetivos que partilhamos, tornar-nos-emos decerto menos vulneráveis aos fatores externos a que chamamos sorte e seremos capazes de colocar Portugal no rumo do desenvolvimento".

A presidente do Conselho das Finanças Públicas começa por defender que "sorte é o termo que usamos para cobrir conceitos complexos como riscos, incertezas e a incapacidade de prever o futuro inerente à condição humana" e que, apesar disso, temos de o planear. Teodora Cardoso afirma que, por um lado, "as decisões tomadas hoje far-se-ão sentir no futuro e terão muitas vezes consequências indesejadas" e que, por outro lado, "não podemos ignorar o que se passa no mundo à nossa volta, nem contar com a indefinida benevolência de outros para ajudar a corrigir erros se nós próprios não os reconhecermos e criarmos as condições para os remediar".

Para o ex-ministro das Finanças do governo Sócrates, que decidiu pedir ajuda à troika, o caminho passa pela melhoria da produtividade. "Perante este desafio, a palavra-chave é investimento. Investimento em equipamentos, instalações, infraestruturas, etc., e investimento nas pessoas", defende Teixeira dos Santos.

Luís Marques Mendes salienta que "a economia, para crescer de forma sustentada, requer objetivos estratégicos, ímpeto reformador, coragem de agir de modo consistente e um ambiente de confiança solidamente construído e desenvolvido". "Doutra forma, podemos ter fogachos conjunturais de crescimento mas nunca teremos um crescimento ambicioso, duradouro e sustentado, alerta. O antigo dirigente social-democrata considera que o atual governo "é mestre na arte de taticismo político, embora não se lhe conheça um pensamento estratégico estruturado", pelo que "não fará nunca qualquer reforma digna desse nome". E para o comentador político da SIC "se a conjuntura externa não ajuda, mais uma razão para sermos, cá dentro, mais ambiciosos e exigentes no desígnio reformulador".

O comentador socialista António Vitorino começa por dizer que não acredita em soluções mágicas e que "muitas das variáveis de que depende o nosso futuro coletivo escapam ao nosso controlo e até ao perímetro do espaço público nacional". Por isso, defende, "não podemos deixar de depender da sorte, da nossa e da alheia". Mas alerta que não basta contar com a sorte, "porque a sorte também se constrói e, como se costume dizer, sorri aos audazes". Prefere então falar dos "elementos de audácia" necessários, como a estabilidade governativa, o respeito pelas regras europeias, o investimento privado ou a estabilização do sistema bancário.

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