O que é que o interior (ainda) não tem?
O país é um pequeno território, com população equivalente à de muitas cidades do mundo. Ainda assim, é sempre difícil atrair pessoas para fora dos grandes centros urbanos. Por exemplo, para muitos lisboetas basta falar em Alverca ou Vila Franca de Xira para logo comentarem que é no "fim do mundo". Na prática, são cidades a 25 ou 35 quilómetros de distância, respetivamente, e a 20 a 25 minutos de carro.
Ao longo da história, a procura por uma vida melhor levou a movimentos migratórios internos sucessivos. Dessas migrações destacou-se o êxodo rural, sobretudo a partir da década de 50, ou seja, um tipo de migração que acontece com a transferência de populações rurais para o espaço urbano. Outrora, Portugal foi um país essencialmente agrícola; hoje é uma nação de serviços.
Os baixos rendimentos, mas também a fraca saúde e educação, fizeram com que muitos se deslocassem para as urbes. E nada mudou até ao século XXI. Só durante a pandemia o teletrabalho fez com que muitos regressassem às terras e ali recuperassem as suas casas. Contudo, à medida que o país e o mundo regressaram ao "velho normal", os centros urbanos voltaram à confusão que eram antes da covid-19. Poucos restaram no interior a tempo inteiro. Há sempre histórias inspiradoras de famílias que mudaram de vida e que trocaram a cidade pelo campo, mas, infelizmente, ainda são a exceção.
A dureza dos números da desertificação prova que às autarquias não basta construírem gimnodesportivos, repuxos e rotundas. O interior ainda não deu o salto qualitativo que o torne realmente atrativo e que lhe dê a capacidade de segurar os mais jovens, talentosos e letrados. Mais empregos, melhor saúde e educação, precisam-se.
Professores, juízes, médicos, continuam, tantas vezes, a não querer deslocar-se para fora de Lisboa e Porto. No caso dos médicos, a situação é gritante. Ontem, o governo viu-se obrigado a anunciar o lançamento, para 2024, de um programa de formação partilhada para atrair jovens médicos aos hospitais de territórios pouco povoados, um modelo que dará aos interessados benefícios salariais e de habitação. Mais Médicos é o nome do programa e aplica-se às sete unidades hospitalares localizadas em Bragança, Guarda, Covilhã, Castelo Branco, Portalegre, Santiago do Cacém e Beja.
Ontem, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, avançou que está a trabalhar com a Ordem dos Médicos para que o modelo de formação partilhada arranque no início do próximo ano. A ideia é permitir que os médicos "mais jovens" trabalhem um período de tempo num hospital destas zonas e outro num hospital do litoral. Ao Estado caberá premiar esta escolha, majorando a remuneração dos médicos que adiram à iniciativa. Ainda não se sabe qual o valor da majoração, mas fica a promessa de melhores salários e casa paga.
Diretora do Diário de Notícias