"O quarto trimestre pode pôr o PIB de Portugal a crescer 1,4% em 2016"
O seu mandato na Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal [AICEP] termina no final do ano. Tem expectativas de renovar esse mandato ou vai de novo mudar de atividade?
O meu mandato na AICEP começou em abril de 2014, a convite do então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho. Os mandatos na AICEP são medidos por anos civis, o que significa que, entrando em 2014, termina no final de 2016. Nós quando entrámos, poucos meses depois, apresentámos um plano estratégico que visava não só adaptar a agência, enfim, à realidade - que é sempre dinâmica -, torná-la mais eficiente em consonância com essa evolução da realidade, ampliarmos a nossa rede externa, ou seja, a presença da agência que apoia as nossas exportações das nossas empresas no mundo fora, e também dedicar uma atenção acrescida ao investimento direto estrangeiro, o que fizemos com a criação das equipas dos FDI Scouts, especialistas na captação de investimento estrangeiro. Esse plano estratégico tem vindo a ser implementado com algumas alterações também decorrentes do próprio dinamismo da realidade internacional. Por exemplo, nós, no início, não tínhamos previsto abrir delegações em Cuba e no Irão, e a verdade é que depois houve uma reviravolta de tal ordem importante no contexto internacional que nós já estamos presentes em Teerão e em Havana. Vamos lá a ver agora em Cuba se não volta tudo atrás com as eleições americanas. Veremos... Portanto, neste contexto, o plano estratégico tem vindo a ser implementado como tinha sido planeado. Está muito próximo do final e eu tenho, neste momento, o sentimento de missão cumprida.
[amazon:2016/11/miguel_frasquilho_enttsfdn_20161119191633]
E isso quer dizer...
Recentemente, eu transmiti ao governo que, findo o meu mandato na AICEP, pretendo abraçar novos desafios profissionais. E, portanto, é esta a situação. Foi uma iniciativa que partiu de mim e não tem rigorosamente nada que ver com o facto de ter havido uma mudança de governo...
Já lá vamos.
... ou de outras quaisquer leituras que podem ser feitas.
De qualquer forma, nesta altura já sabe o que é que vai fazer a partir daqui?
Não, não sei. Eu continuo muito concentrado na minha atividade na AICEP e não tenho de sair no dia 31 de dezembro de 2016, à meia-noite. Não, em princípio nos primeiros meses de 2017 continuarei em funções para fechar os dossiês referentes a 2016 ainda.
E passar a pasta.
E a seu tempo se saberá o que é que irei fazer a seguir.
É militante do PSD, trabalhou um ano e meio com o governo de centro-direita, está há um ano a trabalhar com um governo de esquerda. Nesta matéria, sentiu diferença de posicionamento político, de tratamento em relação à AICEP e a si próprio?
Não. Devo dizer-lhe que tive e tenho excelentes relações quer com o anterior executivo quer com o atual executivo. E deixe-me corporizar, já agora, o meu reconhecimento e esse agradecimento nas principais pessoas, nas principais figuras quer de um governo quer de outro. Em primeiro lugar, o primeiro-ministro Passos Coelho, que me convidou para ser o presidente da AICEP, depois o vice-primeiro-ministro do anterior governo, Paulo Portas, que era a tutela mais direta da AICEP... E, no atual governo, deixe-me corporizar no primeiro-ministro, António Costa, que renovou a confiança na administração da AICEP e em mim próprio, e no senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, uma vez que a AICEP é tutelada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Hora de fazer um balanço deste mandato. As exportações cresceram muito e foram claramente um motor da recuperação económica do país nos últimos anos.
As nossas exportações, ao longo dos últimos cinco a seis anos, evoluíram muito bem. E a prova é que nós passámos de menos de 30% do produto interno bruto [PIB], em 2009-2010, para mais de 40% atualmente. Isso é extraordinário. É claro que tivemos uma recessão pelo meio, e quando o denominador se reduz, obviamente o rácio aumenta. Mas há, de facto, setores que são extraordinariamente dinâmicos. À cabeça, como se sabe, o turismo, que é também um setor de negócios muito importante, mas depois há um setor que não é muitas vezes referido, talvez porque seja mais difícil, a quem tem de aparecer, aparecer ao lado destes produtos, mas refiro-me à metalomecânica, que tem vindo a evoluir extraordinariamente. É o segundo setor, a seguir ao turismo, que mais pesa nas nossas exportações. E depois temos outros, como o setor automóvel, o setor da aeronáutica, o setor da moda - o vestuário e calçado -, o setor da pasta de papel, o setor dos serviços de engenharia e consultoria, que tem crescido muitíssimo... Portanto, está a ver, há um... O setor agroalimentar, que se soube reinventar muito bem. Isto é generalizado. Houve uma evolução generalizada.
Com tudo isso que foi conseguido por esses setores, pergunto-lhe se esteve entre a grande maioria de portugueses que ficaram muito surpreendidos com o resultado do terceiro trimestre na economia, um salto de 0,8% em cadeia, 1,6% em termos homólogos.
Vamos lá a ver, foi um resultado que, a verificar pelas estimativas e pelas projeções que estavam em cima da mesa, superou aquilo que se antecipava. Portugal foi o país que mais cresceu na zona euro em relação ao trimestre anterior, e isto é um bom resultado, sem dúvida. E isto é muito importante porque, até à data, Portugal vinha registando indicadores de crescimento que não eram aquilo que se tinha projetado, até se situaram, nos trimestres anteriores, abaixo daquilo que tinha sido previsto. Quando há uma mudança de governo, seja em que país for, há uma natural inquietação, vamos dizer assim, uma curiosidade acrescida por parte dos investidores, porque não sabem se as coisas vão mudar, se não vão mudar, o que é que muda, em que dimensão é que muda. É assim aqui, é assim em qualquer parte do mundo. Aconteceu em Portugal neste ano. Portanto, é natural que em 2016 a postura dos investidores, por este fator interno, seja mais defensiva do que foi em 2015. No ano passado, no investimento angariado pela AICEP, nós registámos um dos melhores anos de sempre: angariámos cerca de 1,6 mil milhões de euros de projetos de investimento que passaram por nós. Não só por esse fator interno mas por alguns fatores externos, como por exemplo o brexit ou as eleições nos Estados Unidos, que são fatores que acarretam incerteza.
Também alguns internos, como nos disse aqui Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a Competitividade. Há algum problema, ainda, com a solução política encontrada?
No princípio registei alguma surpresa por uma solução que era inédita, sem dúvida, mas agora penso que isso já não existe. O que é importante são estas estimativas e projeções para o défice público em 2016 e 2017. Porquê? Porque podia haver a dúvida sobre se a trajetória de desendividamento, de descida do défice, seria ou não cumprida. Ora, em 2016 e 2017 nós vamos registar um défice de 2,4% e 1,6%, respetivamente, que serão os défices mais baixos da história da nossa democracia. E, portanto, isto tranquiliza, obviamente, os investidores. E muitas das perguntas que eu tinha, quando contactava com os investidores, era: "Então, mas Portugal vai manter a trajetória de descida do défice? Vai ser capaz de cumprir com os objetivos da Comissão Europeia, da zona euro?" Bom, agora penso que essas dúvidas ficaram desfeitas, por isso foi tão importante. Mas ao mesmo tempo que é importante a trajetória de desendividamento - que é um palavrão horroroso, mas enfim; é desendividamento e desalavancagem - ser continuada, é importante também equilibrar isso com um maior dinamismo da economia. Daí que este resultado do terceiro trimestre tenha sido tão importante. Porque nos permite, de facto, atingir (penso que não há grandes dúvidas sobre isso) a estimativa que está inscrita no Orçamento do Estado para este ano.
Revista em baixa, já, face ao orçamentado.
Revista em baixa. É possível chegar a um valor ainda acima desse: se o quarto trimestre tiver, por exemplo, um dinamismo...
Idêntico ao terceiro.
... equivalente ao terceiro trimestre, podermos ficar em 1,3% ou 1,4%. E eu penso que é possível, porque há o efeito da Web Summit, cujo impacto direto - e só estou a falar desse, não estou a falar de outros - é de cerca de 200 milhões de euros na economia. Mas é importante perceber que, mesmo com este dinamismo acrescido em relação àquilo que se esperava no terceiro trimestre, a verdade é que se olharmos para a estimativa do ano passado relativamente a este ano, ela era de 1,8%. Ou seja, vamos ficar abaixo, é desejável que continuemos nesta trajetória e que ela possa, até, ser fortalecida. Agora, a boa notícia deste terceiro trimestre é que este crescimento assentou essencialmente nas exportações.
Se esse resultado é conseguido à custa das exportações, não do consumo interno, este governo acaba por conseguir uma vitória não se tendo verificado os pressupostos em que dizia assentar a sua política.
Eu acho que isso é pouco importante. Para mim isso é um resultado muito bom, até porque eu sou presidente da agência que apoia a internacionalização, ou seja, as exportações e a captação de investimento. É verdade que, no investimento, vamos ter de continuar a melhorar, mas nas exportações... Ouça! O nosso mercado interno é bastante limitado. Nós somos 10,5 milhões de consumidores e, portanto, o nosso desenvolvimento sustentável, o nosso crescimento económico, se nós o queremos duradouro, não é certamente só pela procura interna que nós lá vamos. Eu diria que, maioritariamente, é pela procura externa. Pergunta-se: "É mau dinamizar a procura interna?" Não. Não é nada mau. É positivo, mas temos de perceber que, para uma pequena economia aberta, como é o nosso caso, é da vertente externa que vem a nossa maior força. E, aliás, se nós dinamizássemos só a procura interna sem dinamizar a vertente externa, isso desequilibraria novamente a nossa balança externa. E nós não podemos voltar aos défices.