O PSD entre o diabo e o Sarmento

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Li a entrevista recente do ideólogo do PSD para a economia, Joaquim Miranda Sarmento. Saltou-me à vista o essencial da sua tese. O país tem estrangulamentos em que destaca o sistema fiscal, a burocracia, a lentidão da justiça, a pouca formação de alguns agentes e os fracos fatores de competitividade.

Mas, sendo este o essencial do problema, de acordo com as respostas de J.M.S. ao jornal, há outra conclusão bem mais rasgadinha e só com boa vontade podemos debater sem esboçar um sorriso: para este economista, convergimos em 15 anos de governação do PSD (1985-2000) e divergimos em 20 anos de governação socialista.

Desta conclusão grosseira, e seletiva, não sei onde ficam os anos 2011-2015, de governação PSD em que divergimos violentamente; ou os anos de governação de António Guterres (2000-2002) e de António Costa de 2017-2019 em que convergimos!

Mas, de acordo com J.M.S., os tais problemas persistem: nem o seu PSD os resolveu!

Mas então se havia estrangulamentos em 1985 como se convergiu e agora diverge-se? O PSD não os resolveu em 15 anos áureos nem nos quatro mais recentes? Parece que não, diz J.M.S., e até se agravaram com o PS, sublinha o ideólogo: a burocracia, a formação dos agentes económicos os fatores de competitividade como a inovação e a internacionalização, por exemplo, digo eu, ficou tudo pior!? A sério?

E é por isso que divergimos a partir do ano 2000? Nada disso. Divergimos porque o PS estava a governar, afirma doutoralmente J.M.S. E, já agora, que milagre operou o PSD para, mesmo assim, com todos os estrangulamentos, convergir? Nada de profundo a acrescentar.

Ainda pensei que sairia algo matematicamente primário como crescemos acima da média porque a base de partida era muito baixa e a injeção de fundos foi extraordinária! De resto, é o que se passa agora com os países de leste que atrevidamente usam como exemplo! Nada disso, como também não ensaiou nenhuma explicação por termos divergido entre 2011-2015!

Diz o senhor em causa que a diferença é que "o PSD produz primeiro riqueza e o PS distribui e, por isso, só distribui miséria". Não quero partilhar de nenhuma arrogância, e muito menos embrenhar-me na longa série de anos, com peculiares interregnos, em que J.M.S. se dedicou para concluir coisas tão "inteligentes e irrefutáveis", mas se recuarmos apenas oito anos, "a distribuição de rendimentos do PSD" está expressa na redução de salários, no corte de pensões, na machadada em todas as prestações sociais e na proliferação do desemprego, com recordes próximos de 18%, refletindo a maior queda do PIB da democracia, isto se não tivermos em conta o atípico ano da pandemia. Mais ainda.

Se recuarmos apenas quatro anos observamos que foi com o PS que o país teve o primeiro superavit das contas públicas em democracia e que registamos vários anos de convergência com a UE, depois da desgraça do período 2011-2014. Lembro a J.M.S. que devia ter explicado à dupla Passos-Portas que distribuir riqueza e pagar dívidas exige crescimento económico. Lembrando também que para aumentar o PIB português no curto prazo não se mata o mercado interno e descapitaliza as empresas, destruindo o sistema financeiro em que estão ancoradas.

A herança do PSD-CDS no passado recente é o símbolo da casa dos horrores em que estrangulou o crescimento e, por isso, distribuiu efetivamente a miséria, para usar as suas próprias palavras. Talvez fosse útil, perante estes factos, escrever (outro) livro sobre uma série mais curtinha para alertar Rui Rio para o que não se deve atrever a defender.

Quanto à competitividade do país, mais uma vez sem analisar séries longas, lembro que com o PS as exportações ganharam quota de mercado, cresceram acima da média da UE e aproximam-se de 45% do PIB, que o stock de investimento direto estrangeiro bateu recordes, que a produtividade das empresas aumentou. Três factos que, eu sei que sabe, demonstram um país mais competitivo.

É óbvio que partilhamos a necessidade de reduzir a dependência do turismo, para isso o governo atual lançou as agendas mobilizadoras para promover a diversificação da economia, além do impulso do crescimento económico baseado no conhecimento, através da aceleração da I&D.

Quanto à mentira de que o PRR português está assente em grandes obras públicas seria conveniente de duas uma: ter lido a versão definitiva ou apenas os elogios da CE; ou ter sugerido propostas junto do seu partido para evitar a humilhação de ter ficado calado no momento adequado.

Economista e vice-presidente do grupo parlamentar do PS

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