O professor que quer acordar sem agenda do dia
"Não sou como o 007, que tem várias vidas, mas acho que socialmente se nasce e morre mais do que uma vez", diz Paquete de Oliveira, 74 anos, provedor do telespectador da RTP nos últimos quatro anos, o último dos seus cargos públicos, que deixou no início de Abril. "Já fiz muitos trajectos diferenciados." E no momento em que se prepara para "tentar acordar sem agenda do dia", uma sensação que diz não conhecer, traça-se o perfil do madeirense, a partir do momento em que iniciou a sua carreira como jornalista, na ilha natal, em 1959, percebendo-se que, não importando a geografia ou a profissão, esteve sempre muito próximo dos meios de comunicação social. A sua carreira não começou com o programa Casos de Polícia, na SIC, em 1992.
A história começa a desenhar-se quando o jovem padre José Manuel Paquete de Oliveira entra, aos 23 anos, no Jornal da Madeira, próximo da diocese da ilha, como chefe de redacção. "Tive grandes problemas com a censura", relata o protagonista. O momento social é conturbado: o Concílio Vaticano II arranca em 1961. "Fui muito cedo desviado", conta, explicando como chega a Roma, Itália, em 1969. "Fui para a Universidade Gregoriana, onde estudei Sociologia", curso que não existia em Portugal.
Era "colega de carteira" de Manuel Braga da Cruz, actual reitor da Universidade Católica, com quem viria a cruzar-se no ISCTE (Instituto Superior de Ciências), instuituição onde se reúnem várias pessoas que tinham estado fora do País e onde viria a ser professor até 2007. Curiosidade: João Peste, vocalista dos Pop dell Arte, seu aluno e depois amigo, convidou o professor a ler um texto que tinha escrito inspirado no Maio de 68 para o disco Divergências (1986).
Regressa a Portugal em Janeiro de 1974, adoentado e com recomendações do médico para descansar. O 25 de Abril apanha-o na Madeira a aguardar uma ida para o Brasil com uma bolsa do Banco Mundial e já desvinculado da Igreja. Não chegou a cruzar o oceano e regressa aos jornais, no renovado Diário de Notícias da Madeira, que dirigiu durante o PREC (Período Revolucionário em Curso). Segue-se uma experiência na política, na Junta de Planeamento da Madeira. "Fui considerado um perigoso comunista", ri-se Paquete de Oliveira.
Demitiu-se do DN Madeira e chegou a Lisboa em 1976. Foi nessa altura, após 17 anos, que deixou de ter carteira profissional de jornalista. "Se hoje fosse readquirir o meu nome, se calhar tinha um número só de um dígito", acredita.
Nessa sua nova vida social em Lisboa, como lhe chamaria, esteve sempre ligado à docência. Primeiro no Ministério da Educação, depois no Instituto de Ciências Sociais e Políticas e no Instituto Superior de Economia, mais tarde no ISCTE e também no Centro de Estudos Judiciários. Mas nunca largou os jornais. A convite do amigo Vicente Jorge Silva, começou a colaborar no no semanário Expresso. Escreve no Jornal de Notícias há dez anos.
O currículo cumpria os requisitos do Conselho de Opinião (CO) da RTP para o cargo de provedor do espectador: ser uma pessoa reconhecida socialmente, com credibilidade, com conhecimento do meio, e aliando o exercício profissional com o exercício académico. "Foi o meu último exame oral", diz.
Agora quer sistematizar a sua vida de escrita, e na quarta-feira terminou o prefácio de um livro. E tentar acordar sem agenda. "Uma sensação que nunca tive."