O problema não é a Rússia, somos nós
O que se está a passar entre a Rússia e a Ucrânia tem muito pouco que ver com a Ucrânia, tudo que ver com a Rússia e muito com a segurança e defesa da Europa e do Ocidente.
Para pensar sobre a situação, há três perguntas que importam: o que aconteceu recentemente para provocar esta tensão, o que quer a Rússia, e qual a relação desta crise com a segurança do Ocidente, em geral, e da Europa em particular?
Começando pelo princípio. Ultimamente, não aconteceu nada na situação política ou militar ucraniana que justifique uma ameaça russa nas suas fronteiras. De resto, para além de umas insinuações inverosímeis sobre ataques ucranianos à população russófona das regiões separatistas, Vladimir Putin tem sido suficientemente claro sobre o que o move não ser uma situação iminente. Impedir que a Ucrânia adira à NATO, impedir a presença de armamento americano próximo da sua fronteira, por força dessa adesão, e tentar empurrar a NATO para longe das suas fronteiras, exigindo a saída da NATO de países que tinham estado sob o domínio russo e soviético até ao fim da Guerra Fria, são objectivos estratégicos de médio e longo prazo, não são nada de tão urgente ou prestes a acontecer que imponha uma intervenção militar súbita. E, no entanto, a ameaça feita por gestos e negada por palavras aí está.
Se o que se passou ultimamente na Ucrânia, e as riquezas naturais, não justificam a ameaça que a Rússia diz que não faz, o que a explica, então? A ambição de Moscovo, o vazio de poder na Europa e a divisão Ocidental.
Putin quer, essencialmente, ser reconhecido como líder de uma potência, tão potência como os Estados Unidos ou a China e muito mais que a Europa. Para isso, no entanto, falta-lhe o poder económico de uns e de outros, e o poder militar dos americanos. Mas tem geografia, e umas fortíssimas Forças Armadas.
A desastrosa saída do Afeganistão mostrou que os americanos estavam com pressa de ir para outras paragens. A tensão com a Europa em geral, e, depois, com Paris em particular por causa da venda dos submarinos à Austrália, fez crer, com razão, que a aliança ocidental estava fragilizada. A conversa europeia sobre autonomia estratégica, incluindo uma dimensão europeia de segurança e defesa própria e autónoma, aumentou essa percepção.
Moscovo aproveitou a retirada americana, o enfraquecimento do laço transatlântico e a pretensão francesa de autonomizar a segurança e defesa europeias para recuperar a importância que entende que a Rússia deve ter. Com uma intervenção muito musculada, mas de âmbito regional, retomou o seu lugar entre as potências. Provisoriamente ou não, isso se verá.
E o Ocidente e a Europa, querem e podem o quê?
A Europa precisa de tirar três lições. Uma, a guerra não é uma coisa do passado ou de terras distantes, a guerra é sempre uma possibilidade. Duas, a segurança europeia não se faz contra a NATO e os americanos ou apesar deles. Há uma diferença entre sermos mais responsáveis pela nossa segurança e acharmos que somos uma espécie de terceira via pacífica, comercial e quase equidistante. Não somos nem devemos querer ser. Ao acabaremos ameaçados por uns e abandonados por outros. Mas temos de pagar algum preço pela nossa segurança e pelo estatuto global que também queremos ter. Pode não ser em muitos homens, mas terá de ser em preço do gás, custos das importações ou perda de exportações. O mercantilismo alemão ou francês não é muito melhor que o oportunismo de Órban. Não há segurança grátis.
Consultor em assuntos europeus