O problema da atração e retenção de talento está aí e é preciso saber enfrentá-lo
É inegável o impacto que a pandemia da COVID-19 teve nos diferentes aspetos das nossas vidas, e o mercado de trabalho não foi exceção. Globalmente, verifica-se uma tendência crescente na qual as pessoas deixam os seus trabalhos em prol da realização profissional, mas também como forma de priorizarem as suas vidas pessoais e os seus interesses. Os números falam por si: de acordo com o mais recente estudo da McKinsey & Company, "The Great Attrition is making hiring harder. Are you searching the right talent pools?", que inquiriu uma amostra de mais de 13 mil trabalhadores em seis países*, dois em cada cinco inquiridos afirmam estar a ponderar deixar os seus empregos atuais nos próximos três a seis meses.
Nesta tendência assistimos a trabalhadores que mudam de emprego e setores e outros que passam de funções ditas mais tradicionais para não tradicionais, como o trabalho temporário, a tempo parcial ou como freelancer. De acordo com o nosso estudo, no último ano 48% dos trabalhadores demitiram-se e mudaram para outras empresas em setores diferentes, e apenas 35% dos que se demitiram nos últimos dois anos aceitaram um novo emprego no mesmo setor. Vemos, também, profissionais a reformar-se mais cedo ou a iniciar os seus próprios negócios e, ainda, outros que estão a fazer uma pausa para cuidar da sua vida pessoal ou a tirar licenças sabáticas. Todos estes movimentos estão a criar novos desafios para as empresas, e é preciso compreendê-los para poder resolvê-los de forma sustentada e sustentável.
Existem vários fatores que influenciam esta designada "Grande Demissão", a qual tem vindo a tornar cada vez mais desafiante o processo de recrutamento e de retenção de talento por parte das empresas. Um dos fatores remete para as perspetivas de organização do trabalho que foram expandidas com a pandemia e a adoção de modelos híbridos. Ora, se uma empresa mostra alguma resistência na implementação destes modelos, os trabalhadores vão partir em busca de uma oportunidade que lhes ofereça mais flexibilidade.
Por outro lado, e num campo mais pessoal, a pandemia contribuiu para que as pessoas reavaliassem as suas vidas e passassem a valorizar determinadas áreas da esfera pessoal, o que, em muitos casos, levou à necessidade de mudança da sua situação laboral. A agregação de tarefas domésticas e profissionais no dia-a-dia, o stress relacionado com a carga de trabalho ou com gestores tóxicos, o desejo de autonomia e a falta de reconhecimento levaram muitas pessoas a dar prioridade à flexibilidade e à sua saúde mental, social e espiritual.
O problema, porém, não está no facto de os trabalhadores irem em busca da satisfação das suas diferentes necessidades, sejam elas relativas a ambições profissionais ou pessoais. A grande questão surge quando as empresas não conseguem identificar e dar aos seus profissionais as condições de que eles precisam para se sentirem motivados e não irem à procura de outras oportunidades. Muitas vezes, o que acontece é que as empresas optam por aplicar soluções "rápidas", como aumentos ou bónus salariais, mas não fazem o esforço necessário para decifrar a raiz da insatisfação dos seus colaboradores, acabando por perdê-los. A nossa análise apoia esta tese: entre as maiores razões pelas quais as pessoas se demitem está a falta de desenvolvimento de carreira e o facto de os seus líderes se mostrarem pouco preocupados e inspiradores. Ou seja, o salário já não é o único fator para o qual os empregadores têm de olhar para capturar e manter o seu talento.
De forma a poder sobreviver e até prosperar perante esta tendência, é essencial que as empresas estejam atentas aos diferentes perfis de trabalhadores e às suas necessidades, encontrando as melhores soluções para cada um. A verdade é que existem profissionais disponíveis, e o grande desafio das empresas é estarem abertas não só aos perfis tradicionais, mas também aos perfis que desafiam a norma. É preciso que os empregadores construam ofertas que girem em torno da flexibilidade, em prol da saúde física, mental, social e espiritual, com uma forte cultura empresarial e com diferentes formas de progressão de carreira para profissionais que, mais do que nunca, procuram propostas de valor personalizadas e inclusivas. Só desta forma se poderá transformar a "Grande Demissão" em "Grande Atração".
*O estudo inquiriu 13.382 trabalhadores de Austrália (n = 593), Canadá (n = 1.935), Índia (n = 766), Singapura (n = 652), Reino Unido (n = 3.142) e EUA (n = 6.294).
**André Osório é Manager do Client Capabilities Hub da McKinsey em Lisboa