O princípio do fim de um "tabu"

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Diz-se que em Portugal toda a gente fala de tudo e não diz nada. Isto é, parece ser corrente não se aprofundarem muito os temas, fugindo-se a sete pés de clarificações ou estudos verdadeiramente científicos sobre problemas importantes. No que ao Estado diz respeito, muitas vezes se acusa o mesmo de ser pouco claro ou pouco determinado. O curioso é que, de quando em vez, ele dá mostras duma atitude claramente diferente. Mas, então, quase nenhum órgão de comunicação o divulga ou lhe dá a importância devida.

Este tipo de atitude esteve presente no lançamento de um livro pela Assembleia da República, da responsabilidade da Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros, dirigida pelo deputado Sérgio Sousa Pinto, na Biblioteca de São Bento (Biblioteca Passos Manuel), no dia 19 de julho de 2022. O título da obra é Olivença na História, da autoria de mais de uma dezena de autores, como Eduardo Vera-Cruz Pinto, Carlos Alberto Jorge Consiglieri (recentemente falecido), Susana Antas Videira, Carlos Eduardo da Cruz Luna e outros. Pessoas ligadas ao Direito, à História e a algumas outras áreas.

O livro, fundamentalmente atualiza e aprofunda a chamada "Questão de Olivença", com os argumentos já tradicionais e de todos conhecidos, e usados repetidamente a nível oficial, mas reinterpreta alguns e reafirma sem equívocos as pretensões portuguesas.

O que causa alguma admiração nesta situação é o facto de aparentemente poucos se aperceberem de se estar perante um novo fôlego face ao tema. Pela primeira vez desde há mais ou menos cem anos, um trabalho oficial (editado, afinal, por um órgão de soberania) é dado à luz reafirmando as posições portuguesas. E de uma forma mais completa do que nunca.

Todos sabem que o problema existe há dois séculos, arrastando-se nos meandros diplomáticos, e tendo mesmo provocado pequenos incidentes e desaguisados, nomeadamente em questões levantadas em torno do aproveitamento e posse das águas da barragem do Alqueva. Mas um tratamento sério é algo raro.

Ainda que no livro se evite qualquer tom demasiado ofensivo (diz-se mesmo querer "arrancar" o tema, de vez, a correntes "chauvinistas" e mantê-lo nos limites de uma análise científica...), reafirma-se, sem margem para dúvidas, que, para Portugal, Olivença é um território português ocupado por Espanha à margem da Lei Internacional. Sem tibiezas.

Espanta o quase total silêncio que a generalidade dos órgãos de Comunicação Social (com as devidas e honrosas exceções) mantém sobre este novo capítulo nesta velha questão. Entretanto, o livro pode ser adquirido na Assembleia da República e tudo indica que, em setembro, chegará às livrarias.

Este "silêncio" sobre o tema já tinha conhecido, neste mesmo ano, um episódio de alguma forma semelhante!

Com efeito, no 10 de junho (Dia de Portugal), em Braga, Jorge Miranda fez referência a um preceito constitucional que ele, melhor que ninguém, conhece: trata-se do artigo 5.º, alínea 3 (e citemos: "O Estado não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce, sem prejuízo da retificação de fronteiras"). Jorge Miranda concretizou mesmo, na sua alocução: "...Dia de Portugal, Portugal com território historicamente delimitado no Continente Europeu, como se lê no artigo 6.º da Constituição, para incluir Olivença e os arquipélagos Atlânticos dos Açores e da Madeira..."

É verdade que Jorge Miranda se queria referir ao artigo 5.º, e não 6.º, como se demonstra pelo contexto. Um erro desculpável. O importante, aqui, é que se referiu Olivença... pela primeira vez oficialmente no Dia de Portugal. Olivença onde, aliás, decorria uma comemoração específica.

Será preciso acrescentar que nenhum jornal reproduziu estas palavras?

Se se quiser ser otimista, e usar alguma imaginação, talvez se possa dizer que Jorge Miranda pressentia algo. Nesta problemática de Olivença, 2022 poderá vir a ser visto como um ano histórico.

Mas, no fundo, tal silenciamento era um motivo de preocupação.

Exagero, talvez. Talvez este novo livro mude este estado de coisas, e, como disse Sérgio Sousa Pinto, deixe de haver um "tabu" sobre o tema.

Professor de História

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