Um dia encheu-se de coragem e resolveu abordar o treinador do FC Porto. Não percebia por que razão Domingos Paciência estava quase sempre destinado a ser opção no banco de suplentes, um desperdício, tratando-se de um avançado tão talentoso. Era vizinho de Sir Bobby Robson e mostrou a ousadia que também agora o distingue no futebol. À custa de um inglês perfeito, perguntou-lhe por que motivo o seu ídolo não tinha espaço na equipa titular e estava confinado a viver na sombra. Debateu as questões tácticas, o posicionamento dos jogadores, dissecou as opções técnicas e o então treinador portista ficou impressionado com a irreverência e os conhecimentos daquele adolescente de cabelo ruivo. Que era seu vizinho..Esse rapaz chama-se André Villas-Boas. Agora, é o treinador da moda do campeonato português e o mais jovem contratado pelo presidente Pinto da Costa. É um principezinho, tem sangue nobre, sucesso e um futuro risonho. Mas mal sabia que essa pequena conversa iria abrir-lhe as portas do futebol. Quase por magia. Seguiram-se outras abordagens e trocas de ideias que mostravam alguém de opiniões seguras e maduras, que devorava futebol e tinha uma sede infinita de conhecimento. O treinador inglês andou a matutar na sabedoria daquele miúdo de 17 anos e deu-lhe a mão. Sem hesitar..O primeiro passo foi aconselhá-lo a ir para Inglaterra, onde tirou o curso de treinador e sedimentou as bases de um saber científico e sustentado. Começou por ir para Lilleshall, um reputado centro de treinos, onde aprendeu as primeiras letras do abecedário da modalidade. Mas aí deparou-se com um problema: como era menor de idade não podia inscrever-se como aluno. Nada que Robson não resolvesse e bastou uma conversa com o amigo Charles Hughes, o director da academia, para a questão ser contornada. Seguiu-se um estágio no Ipswich Town, com George Burley, e uma passagem pela academia de Largs, na Escócia, para completar a formação de um treinador que foi precoce em quase tudo. Até na formação académica..Mas a mão amiga de Bobby Robson também se estendeu em direcção ao FC Porto, o clube que André Villas-Boas aprendeu a admirar desde os tempos de criança, o mais representativo da cidade onde nasceu há 33 anos. Foi o técnico inglês quem deu o empurrão definitivo para o rapaz passar a colaborar nas camadas jovens e vencesse mais uma etapa do crescimento profissional. Foi aí que travou conhecimento com um conjunto de treinadores mais velhos e pôde constatar o que era o trabalho de campo na qualidade de assistente. Percorreu vários escalões, sempre com os olhos bem abertos e os ouvidos afinados..Nessa altura, o culto pelo futebol também passava por estar em casa com o computador à frente. Perdia horas a jogar o Championship Manager, um simulador no qual os utilizadores gerem uma equipa profissional como se fossem treinadores a sério. Também assinava várias revistas estrangeiras que lhe permitiam saber o nome de muitos futebolistas e a composição de vários plantéis. Tinha uma sede de conhecimento notável, era o primeiro a querer melhorar e mostrava uma dedicação extrema em todos papéis que lhe eram confiados. O que não passava despercebido. A ninguém..Aí, já vincava os traços que fazem dele um treinador próximo dos jogadores, quase um amigo e um confidente, alguém capaz de se divertir quando o ambiente é descontraído ou duro quando as circunstâncias assim o exigem. «Há um episódio de que não me esqueço. Quando fomos campeões nacionais de juvenis, em 1996/97, o André era adjunto do professor Ilídio Vale e os jogadores foram todos curtir para a noite. Ele andou connosco como se fosse um de nós. Era muito próximo da equipa», conta Manuel José, jogador do Paços de Ferreira. Há 13 anos era um dos futebolistas mais promissores dessa equipa e contactou de perto com aquele rapaz de olhar atento. De uma extrema competência..Mas André Villas-Boas sempre foi um aventureiro, tinha a coragem para protagonizar as decisões mais arrojadas e inesperadas. Desde sempre alimentou o sonho de ser treinador principal e quando tinha 23 anos viu um anúncio num site da internet que lhe parecia ser interessante. Em 2000, havia uma selecção que precisava de um jovem técnico e qualificado, com um salário em conta, alguém que mostrasse uma ambição desmedida para trabalhar nos escalões de base. Viu o pedido, mandou o currículo por e-mail, fez uma entrevista e foi aceite. Foi assim que assumiu as rédeas da selecção das ilhas Virgens Britânicas. Num abrir e fechar de olhos..Mais uma vez, o velho amigo Bobby Robson foi importante. «Deu-nos boas referências e isso ajudou. Também se mostrou mais interessado na oportunidade que tinha para trabalhar como treinador do que no dinheiro que tínhamos para lhe oferecer», conta Kenrick Grant, na altura o presidente da Federação de Futebol daquele minúsculo país no mar das Caraíbas. Aos poucos, começou a mostrar o seu talento, um sentido de organização notável e as funções que exercia passaram a ser redutoras para quem tinha horizontes largos: «Era muito bom a criar manuais de treino no computador. Criou métodos específicos para todos os treinadores das camadas jovens. Também era estupendo na observação, a detectar os pontos fortes e fracos dos adversários. Por isso, demos-lhe o cargo de director técnico para que orientasse todos os escalões.».Em termos desportivos, a qualificação para o Mundial 2002 acabaria por ser a imagem de uma selecção débil e que se encontrava na cauda do ranking da FIFA. Averbou duas derrotas diante das Bermudas (5-1, em casa; 9-0 fora). Nada que perturbasse uma carreira ascendente. Durante os 18 meses em que viveu nas Caraíbas nunca perdeu os laços de amizade com os responsáveis do FC Porto e enviava-lhes postais a ilustrar as belas paisagens marítimas. Só quando regressou a Portugal, aí sim, teve a coragem de revelar a idade. Porque nas ilhas Virgens Britânicas todos pensavam que fosse mais velho. «Sempre se mostrou interessado em um dia vir a treinar o FC Porto», conta Kenrick Grant..André Villas-Boas voltava à casa de partida e encontrava um clube diferente do actual. Sem a chama das vitórias. No início da década, os dragões desesperavam por vencer o título de campeão e procuravam um treinador capaz de colocá-los na rota do sucesso. É nesse contexto que José Mourinho é contratado à União de Leiria no decorrer da época de 2001/02, um rosto emergente do futebol português que tinha como missão germinar novos hábitos de vitória. Logo aí abriu-se uma janela de oportunidade para o rapaz. Quando o novo treinador precisava de um observador, um perito capaz de desmontar a forma de jogar dos adversários, houve alguém que lhe falou em André Villas-Boas. O nome não lhe era estranho, conhecia-o dos tempos em que o agora treinador do Real Madrid era adjunto de Bobby Robson. Quando o tal adolescente de cabelo ruivo cativava quem o ouvia falar sobre futebol. E aceitou-o..Em 2003, começou a ser «os olhos e os ouvidos» de José Mourinho (a expressão é do próprio Special One), quando era preciso estendê-los em direcção aos adversários para detectar os pontos fortes e as fragilidades. Foi assim que começaram a ser feitos os famosos relatórios que dissecavam a forma de jogar de quem se cruzava no caminho do FC Porto. Nada passava despercebido. Fosse o comportamento das equipas em campo, a postura ou os movimentos específicos dos jogadores, fossem as questões tácticas ou os posicionamentos, todos os pormenores eram analisados e trabalhados pelo jovem aspirante a treinador..Antes de cada jogo, cada futebolista recebia um minucioso relatório sobre as características do marcador directo ou de quem tinha de perseguir dentro do campo. «Eram dossiers muito detalhados e ficávamos a saber tudo sobre os nossos adversários. Raramente éramos surpreendidos e já se notava que estávamos na presença de alguém que sabia muito de futebol», revela Ricardo Costa, defesa do Valência, um dos jogadores que estiveram na caminhada sensacional dos dragões quando conquistaram a Taça UEFA (2002/03) e a Liga dos Campeões (2003/04)..Além disso, André Villas-Boas também tinha outras preocupações e transmitia um pouco do seu conhecimento no contacto pessoal com os atletas: «Antes dos jogos grandes conversava com alguns de nós, depois dos treinos, e chamava-nos a atenção para determinados aspectos deste ou daquele adversário.» Eram essas as características de quem fazia do rigor uma máxima de vida, um discípulo que soube beber todos os ensinamentos do mestre, mas que nunca se deu por satisfeito. Nem rendido. Quis sempre saber mais. E em 2003, aos 26 anos, tirou o nível máximo do curso de treinadores na Escócia..Depois do sucesso estrondoso no FC Porto, Mourinho ganhou dimensão internacional e despertou a cobiça de vários clubes europeus de nomeada. No Verão de 2004 foi apresentado no Chelsea. E não foi sozinho. André Villas-Boas também se mudou para Inglaterra, onde continuou a passar uma infinidade de tempo nos estádios adversários e no gabinete, a trabalhar a informação mais preciosa para ser entregue aos jogadores. Um desses relatórios de observação chegou a ser tornado público e maravilhou os entendidos pela forma como a equipa do Newcastle era decomposta. Literalmente, ao pormenor..Em 2008, seguiu-se uma aventura em Itália. No FC Porto, no Chelsea e no Inter de Milão, teve a oportunidade de desmontar a forma de jogar das melhores equipas do mundo e isso deu-lhe uma grande bagagem do ponto de vista táctico. Ao mesmo tempo, foi absorvendo os ensinamentos de José Mourinho e traçando as suas ideias. Amassou um registo próprio e uma identidade bem definida daquilo que seria um estilo de jogo. O seu conceito de futebol aliado à velha ambição de ser treinador principal, um líder capaz de se impor pelo seu pensamento. Porque não queria ser adjunto por muito mais tempo..Um ano depois de ter chegado ao futebol italiano, mudou-se para Portugal, para desagrado do mestre. E para treinar a Académica. A 14 de Outubro de 2009, foi apresentado como treinador da equipa de Coimbra, mergulhada no último lugar da tabela classificativa, agoniada e desacreditada perante o país desportivo. Era uma aposta de risco para um jovem de 31 anos e sem experiência de banco. Se falhasse, a sua carreira estaria hipotecada; se vencesse, outras portas se abririam. Mas os dirigentes estavam seguros da pérola que tinham nas mãos e apresentaram-lhe um contrato de duas épocas com uma cláusula de rescisão de quinhentos mil euros. Nada mau. Porque sabiam que nos últimos meses, o seu nome já tinha estado associado a outros clubes mais bem cotados..Estreou-se no campeonato português à oitava jornada. E com uma derrota. Ironia das ironias, no terreno do FC Porto (3-2), o clube do seu coração. Mas logo ali se percebeu que algo iria mudar no futebol da Briosa: a equipa jogou mais confiante, muito compacta e sem descurar o sentido estético do jogo. Fez o adversário sofrer, sempre à procura do melhor resultado, sem se inibir ou baixar a cabeça. Seguiu-se uma recuperação notável, à custa de trinta pontos em 23 jogos e com o 11.º lugar na classificação final. Era o reflexo de um futebol sedutor e sem fixações defensivas. Sempre à procura do espectáculo, virado para a baliza adversária..No início da caminhada, André Villas-Boas procurou distanciar-se das comparações feitas em relação a José Mourinho, mas os jogadores são os primeiros a reconhecer que mantém a mesma relação de empatia junto do plantel. «É um treinador que tem um grande coração», conta Jonatham Bru, ex-futebolista da Académica, que revela o lado humano de quem que não olha a meios para fazer o grupo feliz: «No Natal do ano passado, tinha pedido dez camisolas para oferecer aos meus amigos. Mas o clube enganou-se e entregou-me 30. Disse-lhes que não podia pagar tudo de uma vez. O mister ouviu a conversa e pagou metade.».Mas houve mais manifestações de generosidade que cativavam o grupo e criavam fortes laços de solidariedade. Esse é um dos seus segredos, a forma como a barreira entre os jogadores e o treinador é cortada, mas sem colocar em causa os princípios da disciplina e da liderança. «Parece um homem duro, mas não é. É justo, é um amigo e trata toda a gente da mesma maneira. Quem joga ou fica no banco, todos lhe merecem o mesmo respeito e isso traz muita confiança. Quando o plantel jantava junto, fazia questão de ser ele a pagar a conta do restaurante», recorda o agora jogador da Oliveirense. À custa disso, levou muitos rombos no cartão de crédito..Aos poucos, André Villas-Boas passou a estar nas bocas do futebol português e a merecer a atenção de outros clubes mais capazes. Foi apontado como hipótese para o Huelva (Espanha), esteve na mira do Sporting por duas vezes, numa delas chegou a dizer que tudo não passava de uma «palhaçada», mas resistiu à tentação e continuou na Académica. Não por muito tempo. No fundo, esperou pelo momento certo. Enquanto se pensava que Paulo Bento seria o sucessor de Jesualdo Ferreira no FC Porto, Pinto da Costa trabalhou pela calada e escolheu o antigo discípulo de Bobby Robson e de José Mourinho. Do namoro ao casamento foi um pequeno passo. E acabou por se despedir dos jogadores da Académica por SMS. Com as emoções à flor da pele..A 4 de Junho de 2010, apenas com 23 jogos na Liga e um bilhete de identidade a mostrar a verdura dos 32 anos, foi apresentado no Estádio do Dragão como treinador do FC Porto. Cumpria um velho sonho de criança: ser o técnico da equipa que mais admira. Logo aí, perante o aparato mediático, as comparações com José Mourinho foram inevitáveis, mas procurou distanciar-se do mestre. O tempo todo. À custa de um discurso inteligente e mordaz. Não prometeu títulos, apenas disse que assumia «um compromisso com a vitória». Não deixou que fizessem dele uma imitação do Special One, pela postura no banco, pela irreverência ou pelos métodos de treino, apenas disse que era «mais clone de Robson do que de Mourinho». E porquê? «Tenho ascendência inglesa, o nariz grande e gosto de beber vinho.» Mais tarde, foi mais a fundo: «Não temos o mesmo carácter, a mesma personalidade e temos formas diferentes de comunicar e trabalhar.».No FC Porto, André Villas-Boas começou por ser uma pequena brisa que se transformou numa lufada de ar fresco. Percebeu-se logo nos treinos da pré-época, nos quais nunca repetia o mesmo exercício, exigia uma rápida circulação de bola e impunha uma nova mentalidade ganhadora. «Os treinos são sempre diferentes e isso motiva os jogadores que não sabem o que vão encontrar quando chegam ao relvado. Mas o que mais me impressiona é a seriedade no trabalho. Quando é para brincar, brinca; quando é para exigir, exige. Nos treinos é como nos jogos, não pára de dar indicações, não pára de gritar. É muito exigente», diz Miguel Lopes, lateral portista emprestado ao Bétis..Mesmo assim, muitas dúvidas se levantaram em relação à escolha do presidente Pinto da Costa. Viram-no como um treinador imaturo, sem o arcaboiço necessário para conduzir uma equipa da grandeza do FC Porto. Até José Mourinho se mostrou surpreendido por ver o antigo discípulo à frente do comando técnico dos dragões. Nada que o abalasse. A primeira prova de fogo foi superada com nota elevada: vitória contundente sobre o Benfica (2-0), na Supertaça, o seu primeiro troféu como treinador principal. E a mostrar uma equipa diferente, a jogar à FC Porto, com espírito combativo e ao ataque. A praticar um futebol sedutor e de sentido estético. Porque essa é a sua máxima de vida: «Se ganhar a jogar mal, não durmo bem.».Aos poucos, os dragões descolaram e começaram a voar. Com um início demolidor no campeonato: nove jogos, oito vitórias e um empate. Sem derrotas. Com uma liderança expressiva no campeonato, a sete pontos de distância do rival Benfica. Na Liga Europa, o mesmo percurso brilhante. Sempre pela mão de um treinador próximo dos futebolistas, capaz das melhores estratégias para motivar o grupo. «Nos jogos em casa, os convocados deixaram de fazer estágios no hotel. Isso motiva muito os jogadores, que têm a oportunidade de estar mais tempo com as famílias. É um treinador com espírito aberto, pronto a ouvir, é obcecado pela perfeição e vai ao detalhe», revela Miguel Lopes. Por isso, os adjuntos andam com folhas de papel nos treinos e as sessões na pré-época foram filmadas..André Villas-Boas tem dois anos de contrato com o FC Porto, mas a Europa já se rendeu às qualidades de um talento precoce. Esta é apenas a casa de partida de um homem que não tem sonhos. Apenas objectivos. De ascendência nobre, não é só o sangue azul que lhe corre nas veias. É a ambição própria dos campeões, a ambição de um principezinho que tem tudo para vir a ser um rei..JOGADOR NOS DISTRITAIS.Entre a adolescência e a idade adulta, André Villas-Boas jogou futebol no campeonato amador e distrital do Porto. Era médio. «Um jogador à FC Porto» ao serviço do Ramaldense e do Marechal Gomes da Costa..Há quem pense que André Villas-Boas é apenas um teórico da bola e todos os conhecimentos adquiridos só foram garantidos em cursos de treinador. Isso não corresponde à verdade. Na adolescência, o técnico do FC Porto calçou as chuteiras e palmilhou os campos pelados da Associação de Futebol do Porto, ao serviço do Ramaldense e do Marechal Gomes da Costa, dois populares clubes da cidade. Um disputa os campeonatos distritais; o outro os amadores. Onde se joga por carolice, às vezes na lama e sem contrapartidas financeiras. Era um médio com muita fibra, dizem que tinha a mesma garra e o espírito combativo que caracterizam os jogadores à FC Porto. Futebolistas que suam a camisola até à última gota..Entre 1994 e 1996, já quando era treinador nas escolinhas de formação dos portistas, jogava ao fim-de-semana com a camisola do Ramaldense, uma colectividade onde Humberto Coelho deu nas vistas antes de se transferir para o Benfica. Era onde muitos amigos do Colégio Nossa Senhora do Rosário jogavam. Nessa altura, o clube passava por tempos difíceis, afundado nos últimos lugares da tabela classificativa, mas safou-se da despromoção. Villas-Boas ajudou a inverter o cenário negro como um dos jogadores fundamentais da recuperação. «Quando cheguei, o plantel não apresentava muitas garantias e resolvi promover três juniores. Um deles era o André», recorda Quim Espanhol, o treinador da altura..Foi assim que começou a recuperação do Ramaldense, à medida que o actual treinador do FC Porto sedimentava uma posição de destaque: «Era um médio com fibra, valente e habilidoso. Lembro-me que fazia excelentes passes a 20 ou 25 metros de distância e foi um dos que nos ajudaram a não descer de divisão.» Já nessa altura, apesar de só ter 18 anos, mostrava a personalidade de quem tinha conhecimentos sólidos e funcionava como a voz orientadora dos colegas: «Não se inibia de dar instruções ao jogador mais velho que tinha 30 e muitos anos. Dava muitas ordens..Em 1998/99, jogou no Marechal Gomes da Costa, conhecido por MGC, um clube que não tem campo próprio e onde os jogadores pagam do próprio bolso os equipamentos. Só pelo prazer de jogar à bola. Também aí, o jovem aspirante a treinador não perdia a oportunidade para transmitir os conhecimentos adquiridos no futebol, mesmo estando de chuteiras calçadas e a correr atrás da bola. «Era um médio muito razoável e tinha como característica fundamental ser muito participativo no jogo. Procurava a bola e tinha um espírito agressivo, antes quebrar que torcer», recorda Manuel Ribeiro, actual director desportivo do Moreirense, na altura técnico do MGC. .Quem o conhece nesta altura define-o como «um líder». Aliás, Manuel Ribeiro diz que «só não era o capitão de equipa porque a braçadeira era sempre entregue ao jogador mais antigo do clube». Códigos de conduta do futebol amador. No campo, também vestia a pele de treinador, alguém que «corrigia os colegas» em muitas circunstâncias. «Gostava de falar comigo sobre tácticas e como o meio-campo se devia organizar. Era um atleta com atitude crítica e não sabia perder. Convivia mal com as derrotas.» Numa frase, eis a definição do futebolista André Villas-Boas: «Era um jogador à FC Porto.» .«À segunda-feira trazia relatórios nos cadernos».José Eiró é professor no Colégio do Rosário, no Porto, onde estudou André Villas-Boas. Do sétimo ao nono ano foi o director de turma do actual treinador do FC Porto..Por estes dias, o Colégio Nossa Senhora do Rosário, no Porto, é notícia por liderar o ranking das melhores escolas do país. Foi nessa instituição privada, de cariz religioso ligado ao Sagrado Coração de Maria, que André Villas-Boas estudou. José Eiró, 48 anos, professor de educação física, foi director de turma do treinador do FC Porto entre o sétimo e o nono ano e lembra-se daquele rapaz pacato. Não era um aluno brilhante, mas tinha jeito para o desporto. Aos 13 anos, já fazia relatórios das equipas de futebol. Escrevia-os nos cadernos e mostrava-os aos colegas..Nos tempos de estudante, André Villas-Boas era um rapaz popular?Sim, era um miúdo muito pacato. Não se metia em grandes confusões, mas era popular no grupo de amigos. Era muito bem aceite e não tinha problemas no relacionamento com os outros. Mas era calado e tímido. Às vezes, não se dava por ele na sala de aula. Metia-se na sua conchinha, se calhar, pensava «deixa-me estar quieto para ninguém me ver e assim ninguém me chateia»..Era bom aluno?Não era brilhante. Era mediano de notas três e quatro. Não dedicava muito tempo aos estudos porque, já nessa altura, se virava mais para o futebol. Fazia relatórios sobre as equipas. Quando chegava à escola, à segunda-feira, dizia como tinham jogado durante o fim-de-semana e sabia as posições dos jogadores. Tinha esta motivação e esta apetência para fazer a leitura do jogo em termos tácticos. Muitas vezes contestava as decisões dos treinadores. Essa era uma das imagens de marca do André, os relatórios que trazia nos cadernos à segunda-feira, quando tinha 13 e 14 anos. Também sabia sempre a constituição da equipa do FC Porto..Já lhe passou mais algum aluno pelas mãos com essas características?Não. Os alunos costumam discutir à segunda-feira os jogos do fim-de-semana, mas é aquela discussão solta, clubista e emocional. O André era mais racional. Também levava para as aulas cadernetas de futebol e jornais desportivos..Nessa altura, passava-lhe pela cabeça que pudesse vir a ser treinador de futebol?Nunca. Sabia que era vizinho de Bobby Robson e entregava-lhe relatórios na brincadeira. Foi uma surpresa quando soube que trabalhava no FC Porto e estudava as equipas adversárias. Não é muito normal, numa família tradicional como a dele, que o futuro do André passasse pelo desporto e pelo futebol..Como é que a família encarava essa paixão pelo futebol?Não davam grande importância. Procuravam que ele fosse estudando. Se calhar, também nessa altura não lhes passava pela cabeça que viesse a ser treinador de futebol. É curioso, porque também nunca me disseram que não queriam que ele praticasse desporto. Aliás, o André jogou no Ramaldense, um clube sem grandes condições, onde os miúdos jogam à chuva e na lama..Qual era a disciplina em que tirava melhores notas?Educação física. Como disse, era um aluno mediano. Em termos de participação na aula era muito pacato e não se destacava. No geral, era muito equivalente. O ideal era ter aulas de educação física o dia inteiro. Estar sentado a uma secretária era demasiado maçador e não era motivante. Era um rapaz de acção, estar muito tempo concentrado em determinadas matérias que não lhe diziam muito era complicado. Não era um aluno problemático, era muito calmo e sereno..Tinha jeito para o desporto?Tinha. Sobretudo, tinha facilidade em praticar desportos colectivos. Tinha mais dificuldade na ginástica, mas isso é normal nos rapazes e tem que ver com o crescimento brusco e com a falta de flexibilidade. Tudo o que tivesse uma bola pelo meio, ele gostava. Era daquelas pessoas que têm prazer em jogar. Fosse o que fosse..Nos torneios interturmas jogava em que posição?Tenho a ideia de que era guarda-redes. Aliás, quando jogou futebol no Ramaldense tenho a impressão que começou por ser guarda-redes. Mesmo nos intervalos das aulas, gostava de ir para a baliza..Era um líder?(Pausa). Em termos desportivos, acho que sim. Tinha algumas características de líder nas aulas de educação física. Na vida normal, não me parece. Mas é engraçado, porque à segunda-feira, quando começava a falar de futebol, os outros ouviam-no e prestavam atenção ao que dizia..Já dava para perceber que era portista?Claramente. Sabia tudo sobre o FC Porto, de trás para a frente e da frente para trás. Tenho a ideia de que o pai era sócio e o André ia com frequência assistir aos jogos..Quando o vê nos jogos, há ali pontos de contacto com o André que tinha 13 e 14 anos?A forma como ele comunica e responde às perguntas tranquilamente lembra-me o André calmo e sereno que conheci..Tinha alguma alcunha?Sim, chamavam-lhe «Cenourinha» por ter cabelos ruivos. Nota-se que está mais velho, mas as feições continuam iguais..Tinha sentido de humor?Era um sentido de humor british, inteligente e muito soft..Não é normal um treinador chegar a um clube grande com 32 anos. Era uma criança madura?Tinha uma maturidade diferente dos outros. Os colegas faziam aquelas brincadeiras, aquelas coboiadas, mas o André era muito mais sereno e tranquilo. Passava ao lado de uma brincadeira que não lhe dissesse nada. Não era um velho precoce, mas tinha a noção do que devia e não devia fazer..Nunca mais falaram?Não. Perdemos o contacto. Creio que também nunca mais veio ao colégio..Título nobre e ascendência inglesa.Luís André Pina Cabral Villas-Boas nasceu no Porto a 17 de Outubro de 1977, tem 33 anos e raízes nobres. É bisneto de José Gerardo Coelho Vieira Pinto do Vale Peixoto de Villas-Boas, 1.º visconde de Guilhomil, título criado pelo rei D. Carlos em 1890. Entre o final do século xix e início do século xx, foi chefe no conselho do Partido Progressista, uma das grandes forças partidárias no segundo rotativismo monárquico. Além de ter feito carreira como político também se notabilizou como magistrado. André Villas-Boas tem ascendência inglesa pela avó paterna, Margaret Neville Kendall, que terá influenciado o seu perfeito domínio da língua inglesa..Sócio do FC Porto desde os dois anos.Desde os tempos de criança que André Villas-Boas sempre nutriu uma paixão especial pelo FC Porto. É sócio do clube desde os dois anos, numa altura em que Pinto da Costa ainda não era presidente e as suas funções estavam confinadas ao departamento de futebol. Ao assumir o comando técnico dos dragões, cumpriu um velho sonho de infância: ser treinador do clube do coração. Por isso, quando é questionado sobre o futuro ou quando lhe colocam pela frente outros cenários além do FC Porto, responde sempre da mesma maneira: «Estou na minha cadeira de sonho.» Palavra do sócio número 11 428..Gostava de treinar na Argentina.É um apaixonado pelo futebol espectáculo. Por isso, já revelou que tem «alguns sonhos estranhos». Não passam por treinar nos campeonatos mais sonantes como Espanha, Itália ou Inglaterra. Passam apenas por orientar uma equipa nas ligas onde a paixão se sobrepõe a tudo o resto. Onde os adeptos vibram à custa de jogos recheados de golos e emoção. Por isso, já confessou que gostava de treinar na Argentina e no Chile. E também no Japão. No Japão? Sim, porque gosta da cidade de Tóquio. Outro dos seus sonhos era ficar... dez anos no FC Porto. Fica ao critério de Pinto da Costa..A fama já chegou ao Japão.A excelente carreira de André Villas-Boas no FC Porto já despertou o interesse de várias publicações internacionais. Foi tema da revista japonesa Hochi Shimbum, que fez deslocar um jornalista nipónico até ao centro de treinos dos azuis e brancos. Também já mereceu destaque no jornal norte-americano Wall Street Journal, que o apelidou de «rapaz genial» e que a aposta num jovem pode levar «os clubes a alterar a sua forma de recrutar os treinadores». O jornal italiano Gazzetta dello Sport já lhe dedicou uma página e escreveu que estamos na presença de «o novo Mourinho»..Casado e pai de duas filhas.Sabe-se pouco sobre a vida privada do treinador do FC Porto, que sempre optou por uma faceta recatada, não dá entrevistas e só fala em conferências de Imprensa. Além da ascendência inglesa e das ligações à nobreza, sabe-se que André Villas-Boas é casado com Joana Villas-Boas e tem duas filhas: Benedita, de 16 meses, e Carolina, que nasceu a 9 de Outubro. Desde que assumiu o comando técnico dos dragões, os familiares mais próximos resguardaram-se da exposição mediática e chegaram a bloquear as contas no Facebook. Por uma questão de privacidade, obviamente..O treinador que faz mea culpa.Quando está no banco de suplentes, Villas-Boas transforma-se. Diz que é fruto da irreverência de quem tem 33 anos. Grita, corre pela área técnica como se fosse um jogador. Também protesta com os árbitros e já foi expulso do banco, aliás, muito à imagem de José Mourinho. Em Guimarães, pediu uma grande penalidade, recebeu ordem de expulsão e contestou a decisão do juiz. Disse que um adversário tinha jogado a bola com a mão na grande área. Mas as imagens televisivas mostraram o contrário. No dia seguinte, emitiu um comunicado. A fazer mea culpa. Caso raro no futebol português.