O primeiro retrato de uma família neandertal
Os Flinstones originais? O maior estudo genético de neandertais já realizado ofereceu um retrato sem precedentes de uma família, incluindo um pai e a sua filha adolescente, que viviam numa caverna siberiana há cerca de 54.000 anos.
A nova investigação, publicada na revista Nature nesta quarta-feira, usou o sequenciamento de DNA para analisar a vida social de uma comunidade neandertal, descobrindo que as mulheres eram mais propensas a fazer vida afastada das cavernas do que os homens.
Escavações arqueológicas anteriores já tinham mostrado que os neandertais eram mais sofisticados do que se pensava, enterrando os seus mortos e fabricando ferramentas e ornamentos elaborados. No entanto, pouco se sabe sobre a sua estrutura familiar ou a forma como se organizavam em sociedade.
O sequenciamento do primeiro genoma neandertal em 2010, que rendeu ao paleogeneticista sueco Svante Paabo o prémio Nobel da Medicina no início deste mês, ofereceu uma nova forma de descobrir mais sobre os nossos ancestrais extintos.
Uma equipa internacional de investigadores concentrou-se em vários restos neandertais encontrados nas cavernas Chagyrskaya e Okladnikov, no sul da Sibéria. Os fragmentos dispersos de ossos estavam principalmente numa única camada na terra, sugerindo que os neandertais viveram na mesma época.
"Primeiro tivemos que identificar quantos indivíduos tínhamos", disse à AFP Stephane Peyregne, geneticista evolucionista do Instituto Max Planck da Alemanha e coautor do estudo.
A equipa usou novas técnicas para extrair e isolar o DNA antigo dos restos mortais. Ao sequenciar o DNA, os investigadores estabeleceram que havia 13 neandertais, sete machos e seis fêmeas. Cinco elementos do grupo eram crianças ou adolescentes.
Onze dos elementos eram da caverna de Chagyrskaya, muitos deles da mesma família, incluindo um pai e a sua filha adolescente, além de um menino e uma mulher que eram parentes de segundo grau, como primo, tia ou avó.
Os investigadores também descobriram que um homem era parente materno do pai porque tinha um fenómeno genético chamado heteroplasmia, que só passa de geração em geração.
"O nosso estudo fornece uma imagem concreta de como poderia ser uma comunidade neandertal", disse Benjamin Peter, do Instituto Max Planck, na Alemanha, que supervisionou o estudo juntamente com o sueco Paabo, em comunicado. "Isto faz com que os neandertais pareçam muito mais próximos dos humanos", acrescentou.
A análise genética mostrou que o grupo não se cruzou com os seus parentes próximos, como humanos e denisovanos, hominídeos descobertos por Paabo em cavernas a apenas algumas centenas de quilómetros de distância.
No entanto, sabemos que os neandertais se cruzaram com o homo sapiens em determinado momento - os estudos de Paabo também revelaram que quase todos os humanos modernos têm um pouco de DNA neandertal.
A comunidade de cerca de 10 a 20 neandertais parece ter-se reproduzido em grande parte entre si, exibindo muito pouca diversidade genética, segundo o estudo. Estima-se que os neandertais existiram entre há 430.000 e há 40.000 anos, pelo que este grupo terá vivido perto da extinção da sua espécie.
O estudo comparou o nível de endogamia da comunidade com o dos gorilas das montanhas ameaçados de extinção. Outra explicação para a endogamia pode ser a de que os neandertais viviam numa região isolada.
"Provavelmente estamos a lidar com uma população muito subdividida", disse Peyregne.
Os investigadores descobriram que os cromossomos Y do grupo, que são herdados de pai para filho, eram muito menos diversos do que seu DNA mitocondrial, que é herdado das mães. Isso sugere que as mulheres viajavam com mais frequência para interagir e procriar com diferentes grupos de neandertais, enquanto os homens ficavam em casa.