O português que anteviu a Lua

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No ano em que se cumprem quatro décadas sobre a chegada do homem à Lua, o DN apresenta-lhe o único fotojornalista português enviado especial ao Cabo Canaveral, na Florida: Joaquim Cabral

Foi há 40 anos. A 20 de Julho de 1969, o norte-americano Neil Armstrong torna-se o primeiro homem a pisar a Lua. No Centro Espacial Kennedy, em Cabo Canaveral, Florida (EUA), cientistas, autoridades e jornalistas acreditados rejubilam ante a evidência, transmitida pelos receptores de vídeo e ecrãs de televisão, de que a missão Apollo 11 foi coroada de êxito. "Ficou-me na memória o entusiasmo de todos, rompendo a enorme apreensão que ali se sentia", lembra Joaquim Cabral, único repórter fotográfico português enviado especial à base da NASA para registar o acontecimento, um dos que mais marcaram o século XX.

Hoje, Cabral tem 76 anos e, em Portugal, ninguém sabe o que fez nem onde esteve com a máquina ao peito. Por isso, e porque a experiência na Florida é apenas o episódio mais mediático de uma vida cheia de aventuras e proezas, e também porque quem tem valor merece ser trazido à luz (mais do Sol, até, do que da Lua), vale a pena revelá-lo, como se de película fotográfica se tratasse.

Antes de 69, já dera a volta ao mundo em 37 dias, a convite do Governo de Macau. Trabalhava então para a revista Notícia, de Luanda (Angola), cidade onde viveu de 1952 a 1976. "Fizemos um número especial sobre Macau. Partimos de Luanda e a viagem de ida teve paragens de dois dias em Lisboa, Roma, Atenas, Istambul, Teerão, Banguecoque e Hong Kong, até à chegada. Para cá, como já tínhamos percorrido meio mundo, viemos ao contrário, por forma a percorrermos o outro meio: Macau, Tóquio, Honolulu, S. Francisco, Nova Iorque, Lisboa e Luanda", conta. Sobram memórias e fotografias de sonho.

Em 1961 assinou a capa da Notícia com uma imagem de Moise Tshombe, presidente do Katanga, comemorando o 1.º aniversário da independência daquela província do Congo e, anos mais tarde, foram suas algumas das primeiras fotografias de cadáveres ambulantes vistas pelo mundo, tiradas no Biafra. "Estive em várias guerras", resume. No espectro oposto, cita aleatoriamente o Carnaval do Rio, em 71, e a festa da circuncisão entre os Humbes, enquanto abre uma pasta com instantâneos inacreditáveis do Girabola, campeonato angolano de futebol. Pelo meio, o DN comprova que muitas das personalidades políticas de primeiro plano do Estado Novo, a exemplo de Salazar e Américo Tomás, passaram à frente da sua objectiva. Aos prémios, já Cabral perdeu a conta, mas recorda-se de ter sido eleito, em 1973, Personalidade do Ano na área da fotografia pela Rádio Luanda 73.

Natural de Lamego, foi para Angola aos 20 anos e casou-se lá, em 1954, com a namorada de cá, mãe dos seus dois filhos, Carlos e Fernando. O primeiro é o conhecido Carlos Cabral, antigo basquetebolista do FC Porto e da selecção nacional e hoje treinador do Illiabum.

Voltou em 1976 e inaugurou, como professor de Fotografia, o curso de Design e Artes Gráficas da Escola Superior de Belas Artes do Porto, tendo em 96 "estreado" a Escola Superior de Arte e Design, em Matosinhos, de onde equaciona sair este ano para a reforma. "A passagem do analógico ao digital deixou-me ficar para trás", como que justifica.

Hoje vive em Ovar e já quase não vai à ria de Aveiro para fotografar. É de lá que tem alguns dos mais bonitos trabalhos expostos em sua casa. A saúde e alguma desmotivação inibem-no de preparar as coisas, como dantes, e ir para a caça aos "bonecos". Joaquim Cabral diz viver muito o passado. É, sem dúvida, algo que se compreende, ou não tivesse ele estado cara a cara com um futuro que ainda hoje o é para a quase totalidade dos seres humanos. Ele "anteviu" a Lua.

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