O poder mudou de sítio e os números confirmam-no
As estatísticas parlamentares revelam uma significativa mudança no centro do poder, comparando a atual legislatura, de governo minoritário do PS, com a anterior, diri-gida por uma maioria absoluta PSD-CDS.
O poder mudou de sítio - e foi do governo para o Parlamento. Feitas as contas em tempos homólogos (os dois primeiros anos parlamentares de cada uma das legislaturas), percebe-se que agora, no governo de António Costa, o executivo produz muito menos propostas de lei - mas, em contrapartida, a Assembleia da República produz muito mais.
No que toca à produção de propostas de lei pelo governo, o que se verifica é que o governo PSD-CDS liderado por Pedro Passos Coelho teve muito mais diplomas apresentados e aprovados na Assembleia da República do que o do PS dirigido por António Costa.
Na verdade, o governo de Passos apresentou em dois anos na AR quase o dobro das propostas de lei apresentadas pelo governo de Costa no mesmo período: 149 contra 76. No que toca ao sucesso desses diplomas, a diferença é ainda maior: Passos conseguiu nos dois primeiros anos do seu governo - subordinados a um pesado caderno de encargos impostos pela troika - ter 135 propostas de lei aprovadas no Parlamento. Já Costa obteve apenas, somados os dois primeiros anos da legislatura, 58 propostas aprovadas - ou seja, cerca de metade do score alcançado pelo seu antecessor.
O governo produz agora menos propostas - mas o Parlamento, em contrapartida, aprova muito mais projetos de lei com origem nas bancadas parlamentares - algo que traduz a diferença entre uma legislatura assente numa maioria absoluta sólida (a coligação PSD-CDS) e uma legislatura onde o governo, de um partido minoritário, está forçado a permanentes negociações com os parceiros de solução governativa, o BE, o PCP e o PEV.
Assim, enquanto nos dois primeiros anos do governo PSD-CDS o Parlamento aprovou 64 projetos, no período homólogo da atual legislatura esse número aumentou para cerca do triplo (193). No mesmo espaço temporal, o número de projetos aprovados também aumentou: de 445 para 585.
Dito de outra forma: a produção legislativa dominante passou a ser a dos partidos com assento parlamentar e não a com origem no governo. Há agora muito mais projetos de lei (origem parlamentar) aprovados do que propostas vindas do governo, enquanto na legislatura anterior a situação era exatamente a oposta.
A atual legislatura revela ainda um outro detalhe que se percebe que resulta diretamente da governação em modo "geringonça" : esse detalhe é o número anormalmente alto de aprovações de resoluções (ou seja: de recomendações ao governo sem nenhum valor vinculativo): 592 até agora, contra 276 nos dois primeiros anos da governação Passos-Portas. Agora, as resoluções são a forma como muitas vezes o BE, o PCP e o PEV tornam "oficiais" as suas posições políticas, com efeito apenas declarativo, quando não conseguem converter essas posições em diplomas com força vinculativa. Os projetos de resoluções, sendo aprovados, passam a ser resoluções de todo o Parlamento - e não apenas dos partidos proponentes - e é assim que os partidos à esquerda do PS muitas vezes afirmam as suas posições. Os socialistas, abstendo-se - e sabendo que o governo não tem de seguir as recomendações embora esteja pressionado a fazê-lo - possibilitam a aprovação desses textos. Além do mais, a nova solução política revela naturalmente que os partidos de esquerda, agora maioritários, conseguem ter muito mais projetos aprovados do que na anterior legislatura. Desde o início da legislatura que o Bloco de Esquerda é o partido que tem mais projetos aprovados: 24 no primeiro ano (novembro de 2015 a julho de 2016) e 26 no segundo (setembro de 2016 a julho deste ano). Este ano seguiram-se o PSD e o PS com 22 projetos aprovados cada um, o PCP com 17, o CDS com 13, o PAN , com oito e o PEV com sete.