Temo que o sucesso mais do que merecido do magnífico A Gaiola Dourada dê origem a alguns equívocos no interior do cinema português. Sem falar do silêncio sepulcral a que a maior parte dos realizadores e produtores nacionais subsidiados pelo Estado se remeteram perante o sucesso artístico e comercial do filme de Ruben Alves, diga-se que este pode criar em algumas pobres cabeças a ilusão de que basta fazer cinema comercial e apelativo para pagar o filme, as contas da casa e garantir um futuro promissor na área, com cada projecto a pagar a produção do próximo. Nada mais errado. Ou erróneo..A Gaiola Dourada não é um filme comercial. É pura e simplesmente um filme bem feito. Desde Viúva Rica Solteira não Fica (Fonseca e Costa), América (João Nuno Pinto) e Florbela( Vicente Alves do Ó) que não se via no cinema português - porque é um filme português na sua essência! - uma narrativa tão bem construída. É também um filme de grandes actores, do protagonista ao mais secundário, e no qual se sente que o realizador, ao dirigi-los, percebe que há vida para lá do plano e da montagem. E, como se não bastasse, é um filme tecnicamente irrepreensível..Ora o que o sucesso comercial de A Gaiola Dourada pode criar no cinema português é a ilusão de que "havendo vontade, há sonhos concretizados". Nada mais errado. O cinema bem feito é pensado, planeado e bem financiado (não obrigatoriamente pelas fontes que em Portugal se consideram as naturais). Tudo isto demora tempo e custa dinheiro. Tempo de que grande parte dos realizadores portugueses parece prescindir, sobretudo passada a fase da rodagem e entrada a pós-produção. Dinheiro de que a maioria dos produtores portugueses financiados pelo Estado parece prescindir para o filme em si, preferindo usá-lo no pagamento de dívidas de jantares e outros luxos de projectos anteriores - sei do que falo e não me tentem a desfiar o rosário. Tudo uma questão de prioridades....Por outro lado, numa nova geração de jovens cineastas que começa a querer fazer diferente, sem subsídios, pode criar a ilusão de que o cinema orientado para o público, e por isso rentável, prescinde do orçamento porque "dá prestígio, fama e glória a quem nele trabalha", dos actores até à equipa técnica. Temo que as curtas, as médias e as longas-metragens con- cretizadas a (aparente) custo zero - que não levam nenhum dos envolvidos a lado algum - comecem a proliferar e com elas as chamadas "propostas desonestas" a todo o elenco e equipa. Que os papás produtores encapuzados tomem a dianteira do cinema português porque "o Ruben também foi capaz". .Ora, o Ruben foi capaz porque tem imenso talento inato e, depois, porque encarou o cinema moderno como uma arte industrial extremamente profissional. Aos actores e equipa técnica paga-se o justo valor para darem o seu melhor e poderem continuar a viver da sua arte. O que não invalida, claro está, o mimo do belíssimo pastel de bacalhau oferecido no catering. E, pelo que dá para aferir de uma só cena de A Gaiola Dourada, pastéis de bacalhau não faltaram - "acabadinhos de fritar"!.*)"Sound designer" e fundador do estúdio de som para cinema O Ganho do Som