As visões de futuro dos que idearam a Organização das Nações Unidas ainda tinham confiança na preservação da jurisdição interna dos Estados, quer a ação viesse de outro Estado ou da própria ONU. As realidades não corresponderam à sonhada tranquilidade, e o poder-dever de intervenção foi formulado com a excecionalidade habitual, que se traduz em não definir os limites conceituais e temporais dessa invenção.. Os casos que se conhecem são em geral colocados sob a suspeição de visarem mais os interesses do interventor do que a paz e a justiça, e, como também se tornou numa espécie de hábito do comentarismo internacional, a evidência parece sempre mais inquietante quando os EUA estão envolvidos, e também mais silenciada quando se trata de outra potência, designadamente europeia. .O mais inquietante para a opinião pública, sobretudo quando se trata de interesses que atingem a sua própria comunidade, é a incapacidade reconhecida por observadores atentos de os Estados, ainda os mais equipados de meios e de intervenções para além das suas fronteiras geográficas, de em geral não terem embaraços para explicar a relação da intervenção com os seus objetivos estratégicos declarados. .O caso do Afeganistão parece um exemplo progressivamente a ganhar significado nesse sentido. A semântica também tem ajudado a mudar as perspetivas de opinião pública mais envolvida, por exemplo chamando às forças em ação soldados da paz, e à própria ação uma operação de manutenção da paz, ou ajuda ao governo legalmente estabelecido, e assim por diante. Entretanto não é o modelo da guerra cirúrgica que domina, e os intervenientes explicam com dificuldade as perdas sofridas em envolvimentos dos quais dificilmente saem com glória, e o pedido de retirada mina a legitimidade de exercício dos governos. .Neste quadro, o terrorismo introduziu exigências específicas, sobretudo no caso dos EUA com razões poderosas para repensar a segurança global. O êxito do fraco contra o forte, como aconteceu com as Torres Gémeas, parece ter agora determinado o Presidente Obama a formular uma doutrina, que já leva o seu nome, e que se traduz no princípio de que a guerra global ao terrorismo deve acabar, exigindo uma reformulação quanto aos meios, objetivos e justificação. Terá defendido essa nova atitude na própria Universidade de Defesa Nacional, e de novo o conceito de guerra cirúrgica contra as organizações em rede terrorista, exigindo menos homens e mais tecnologia apropriada: designadamente, os aviões não tripulados são os instrumentos mais salientados pelo noticiário. .Mas acontece ter acrescentado, à temática da intervenção, o tema da prisão de Guantánamo, uma questão que envolveu a opinião pública de vários países, incluindo a de aliados europeus. .Todavia, pondo de lado as suspeições, não é ainda fácil compreender as confessadas dificuldades quanto ao processo judicial, que temporalmente se anuncia demorado. .Não é um ponto que vá ser secundarizado, nem pela opinião cubana hoje a ganhar espaço internacional, nem sequer pelo legislativo americano, mas o importante está neste conceito que sintetiza, no discurso, a doutrina Obama: "Nós temos de redefinir os nossos esforços não como uma ilimitada guerra global ao terrorismo, mas sim como uma série de esforços persistentes e direcionados para desmontar redes de extremistas violentos que ameaçam os Estados Unidos." .Os custos financeiros, a reduzir, estiveram presentes da argumentação, que igualmente incluiu a perda de alguns milhares de militares. Para o mundo em dificuldades financeiras, a doutrina Obama, que legitimante coloca os interesses americanos em primeiro lugar, vai significar a exigência de atenção ao tema da transferência dos presos de Guantánamo para outros países, e suprir, com recursos e doutrina própria, o espaço do próprio interesse de cada Estado que a redefinição doutrinal americana deixar desprotegido. .Conhecemos antes a vietnamização da guerra e a europeização da defesa. Vai provavelmente ser necessário arranjar nova semântica e recursos.