O plátano de Portalegre até já "viu" nascer um bebé

A candidatura portuguesa a Árvore Europeia do Ano é o plátano do Rossio de Portalegre. O <em>Bem-Amado</em>, como é conhecido, reúne 183 anos carregados de histórias.
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A mãe de Lurdes morava na Ribeira de Nisa e apesar de já estar no fim da gravidez arriscou ir às compras a Portalegre. Chegada ao centro da cidade alentejana sentiu os sinais do parto. Sem tempo para chegar ao hospital, sentou-se num banco debaixo do imenso plátano em pleno Rossio e viria a dar à luz ali mesmo. Decorria o ano de 1957.

O nascimento de Lurdes foi um dos muitos episódios que "escrevem" a história do plátano de Portalegre, que é o candidato português a Árvore Europeia do Ano, depois de ter vencido o concurso interno promovido pela União da Floresta Mediterrânica. A votação já terminou, estando a divulgação dos resultados agendada para amanhã.

Lurdes ainda não perdeu a esperança de um dia reunir condições financeiras para assinalar o local do seu nascimento com a instalação de uma lápide alusiva à efeméride. No momento do parto, a sua mãe contou com a ajuda de um rapaz que por ali passava, tendo ido buscar um lençol ao hospital da Santa Casa da Misericórdia, que funcionava nas imediações do plátano. No ano em que Lurdes nasceu já o Bem-Amado, que hoje é património classificado de Portalegre, somava mais de 100 anos. Fora plantado em 1838 ou 1848 - duas datas possíveis que nunca reuniram consenso - por José Maria Grande, antigo governador civil, médico, senador e professor de Botânica, que dá o nome ao hospital distrital.

Mandaria plantar outros plátanos na mesma zona, mas só o mais célebre cresceu a grande escala, conquistando o estatuto de maior plátano da Península Ibérica, com sete metros de perímetro de tronco e 37 de diâmetro de copa. Seriam necessárias cinco pessoas para o abraçar. Há quem garanta que tem tirado partido de um generoso caudal de água que corre no subsolo, alimentando-o até aos dias de hoje, quando se ergue despido de folhas à espera que a primavera o volte a cobrir de verde.

Ao longo das décadas, o plátano marca um ponto de encontro para convívios, negócios, feiras, discursos políticos ou atos religiosos. Contam-se versões de vitórias eleitorais que encontravam no plátano um símbolo de afirmação, havendo quem subisse ao ponto mais elevado para hastear a bandeira do partido vencedor. Depois o tronco era ensebado para impedir que alguém da oposição fosse lá cima retirar as insígnias.

Aurélio Bentes Bravo, que durante 30 anos dirigiu o jornal Fonte Nova, reúne um conjunto de histórias em torno do plátano, reveladas agora pela Câmara Municipal de Portalegre, onde se fica a saber que há umas décadas a população se juntou para impedir o abate do seu ex-líbris e que entre 1950 e 51 pôs mãos à obra para reunir verbas destinadas à sua manutenção, procedendo ao escoramento dos ramos.

As coisas começaram bem com o concurso de modistas e costureiras, havendo lugar ao desfile, seguindo-se, dias depois, um concurso de fados, canções e anedotas. O terceiro festival concentrou famosos cançonetistas da época, tendo sido apresentado por Artur Agostinho.

Em 1951 correu pior. Optou-se por dois festivais noturnos de verão, o que implicou despesas volumosas com a iluminação, voltando a recair a aposta sobre alguns dos maiores nomes da música nacional da época. O cachê também pesou nos parcos resultados da tesouraria.

Cinquenta anos antes, Portalegre juntara-se no plátano para assistir a mais um acontecimento memorável na cidade. Em 1901, era inaugurada a luz elétrica, tendo a população celebrado o acontecimento com a construção de dois pavilhões e três coretos junto à árvore, por onde passaram várias bandas musicais. O próprio plátano também foi iluminado "com uma ou duas lâmpadas", sublinha Aurélio Bentes Bravo.

Até um dos principais clubes desportivos portalegrenses se inspirou no plátano para escolher o nome. Relatam as crónicas que um grupo de jovens estava junto ao secular exemplar, numa noite de 1919, e que ao avistarem as estrelas no céu entre os ramos decidiram fundar o Sport Clube Estrela. Avançando até 1947, encontramos outro momento gravado na história, à boleia da realização de uma missa campal com a Virgem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima. A imagem que viria a correr o mundo saiu da Cova da Iria, tendo sido recebida junto ao plátano por milhares de fiéis, perante uma cidade engalanada à altura do acontecimento.

Perante a deterioração cavada pelo peso dos anos foi preciso esperar até 1998 para assegurar a primeira intervenção especializada na conservação da árvore, vindo a ser colocados postes de escoramento que passaram a sustentar os pesados ramos, eliminando, à partida, o risco de queda de algum deles. Dez anos depois, técnicos da Fundação de Serralves também deram o contributo para a consolidação do plátano.

A presidente da Câmara de Portalegre, Adelaide Teixeira, admite que se o concelho já ganhou visibilidade com a vitória caseira do plátano, reforçada com a candidatura europeia, o exemplo de dedicação popular atribuída ao Bem-Amado traduz um salto na preservação do "património vivo".

"Muitas vezes olhamos para o património edificado, histórico e cultural e esquecemos este património vegetal", sublinha a autarca, regozijando-se com o facto de ser este um "exemplar único na Península Ibérica, apesar de não ser autóctone". Aliás, foi a primeira vez que o concurso nacional elegeu uma árvore ornamental exótica em Portugal, que terá sido introduzida por gregos ou romanos que a utilizavam devido à sua sombra, segundo revela a União da Floresta Mediterrânica.

Adelaide Teixeira admite que a proximidade de Portalegre ao Parque Natural da Serra de São Mamede também terá influência na maior sensibilidade da população para a preservação do património vegetal. "Este plátano tem particular interesse por se encontrar dentro da cidade, tendo várias histórias associadas, fazendo parte das nossas vidas desde sempre", resume.

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