O pior sítio para se estar em tempos de incerteza
1 Três dias no Fórum do BCE, logo a seguir a uma rutura como a que vimos no Reino Unido, serve para medir o pulso à Europa. Na Penha Longa estavam banqueiros centrais, especialistas, economistas, jornalistas conceituados de toda a Europa. De lá trouxe boas e más notícias - sendo sempre melhor começar pelas boas.
A melhor é que há democracia e muito debate no interior dos bancos centrais . Isto pode parecer um detalhe, mas não é. É que, em três dias, ouvi mais críticas ali do que na Convenção do Bloco, no fim de semana passado. Houve avisos de que o BCE não é, nem pode ser, absolutamente independente; alertas para a monstruosidade de dinheiro que está a injetar na economia - e sobre os problemas que podem criar as taxas de juro zero. Ouvi os que pensam que é a Alemanha quem não deixa a economia funcionar (não dando espaço a eurobonds ou à reestruturação de dívidas), mas também os que acham que o que é preciso é o BCE recuar e os governos fazerem o que devem - reformas e consolidação.
Todos foram ouvidos e aplaudidos. Mas é aqui que começam as notícias piores: a única unanimidade na sala era de que a Europa, a economia e o sistema financeiro não estão bem. Não estavam, não estão.
2 A União mudará mesmo depois do referendo - só que ninguém sabe ainda para onde vai. Há uma semana disse isto aqui e vale a pena repetir: não é certo que o Reino Unido se mantenha unido, menos ainda que efetivamente saia da UE. Se acha que o valor de um referendo é absoluto, vale a pena dizer-lhe isto: no Reino Unido os referendo não são vinculativos. E entre os que defenderam a saída não há uma posição comum (muito menos clara) sobre que relação o Reino deve ter com a Europa. E é muito diferente ter uma relação comercial distante como a que existe com o Canadá do que ter uma muito próxima como aquela que tem a Noruega connosco. O problema é que esta obriga a uma livre circulação, precisamente um dos pontos centrais da campanha do referendo.
3 Vale a pena, portanto, esperar. Mas talvez ficar ainda mais atento às consequências do brexit que se farão sentir entretanto. Na Penha Longa havia unanimidade sobre uma: a banca está agora ainda mais frágil - com a italiana no topo da lista. Itália precisa de 40 a 60 mil milhões de euros para a normalizar antes que o castelo de cartas comece a cair. Más notícias, portanto. E soluções?
Não foi por acaso que o primeiro--ministro Renzi aproveitou o pós-brexit para tentar forçar a Europa a aceitar um empréstimo que ajude a limpar os problemas dos bancos italianos. Em Portugal, houve quem ficasse de olhos postos ali: se Itália abrisse caminho, porque não nós a seguir? Houve uma notícia da SIC, depois um desmentido. Mas nem vale a pena ter muitas esperanças. A Comissão Europeia pareceu pouco interessada na proposta. E a chanceler alemã riscou-a logo a seguir ao Conselho Europeu desta semana. Com o Reino Unido a sair e eleições marcadas para França e Alemanha nos dois próximos anos, não parece provável que os líderes europeus mexam peças sensíveis até lá. Eppur si muove?
4 É neste difícil contexto que nos aparecem as declarações de Wolfgang Schäuble sobre um segundo resgate a Portugal. E também as do presidente do fundo que gere os resgates europeus. Os dois mostram-se preocupados com Portugal. E é bom que levemos a sério: neste momento somos nós, e não a Grécia, quem está na primeira linha. E este não é o cenário ideal para a decisão que virá na próxima semana. Haverá ou não sanções a Portugal e a Espanha?
Não vale a pena discutir se tudo isto é justo ou injusto, se devemos esperar que a Europa mude. Também não vale a pena voltar àquela frase de Woody Allen em Annie Hall, que se queixa da comida do restaurante mas depois se queixa de que a comida era pouca. O importante é estarmos conscientes de que o pior sítio para se estar em tempos de incerteza é em cima de uma linha vermelha.
P.S. Mariano Rajoy voltou a vencer as eleições em Espanha, o Podemos acabou por ser uma desilusão (para quem se iludiu). Anote um facto: nos últimos quatro anos, só dois socialistas ganharam eleições na Europa - Renzi e... António José Seguro. Talvez isto queira dizer alguma coisa sobre os desafios que enfrentam os socialistas na Europa de hoje.