O pesadelo que une portugueses e estrangeiros

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Como estrangeira em Portugal, muitas vezes é difícil fazer que os nativos entendam certos problemas quotidianos que tem de enfrentar quem vem de fora, como diferenças linguísticas ou mesmo a má vontade de alguns funcionários públicos diante de um sotaque de além-mar.

Isso simplesmente não acontece no trato com as operadoras de telecomunicações. Como num passe de mágica, a mínima evocação do termo "fidelização" rapidamente desperta a empatia e a solidariedade dos portugueses. Após mais de um mês, tendo eu própria vivido na pele as longas esperas ao telefone, a ansiedade da visita do técnico que nunca aparecia e a instalação da fibra que "afinal não há", percebi que havia algo que verdadeiramente une portugueses e estrangeiros: os problemas com as empresas de telecomunicações. Aparentemente, no país de Camões, tanto estrangeiros como portugueses têm quase sempre uma história traumática - e geralmente desrespeitosa - envolvendo internet, televisão e voz para contar.

Ao relatar o meu suplício entre o call center e o livro de reclamações - tentando reestabelecer um serviço pelo qual jamais deixei de ser cobrada -, tive a impressão de que, tal como acontece com as superstições de réveillon, as pessoas acabam desenvolvendo os seus próprios rituais para lidar com as operadoras. "É preciso reclamar à Anacom [Autoridade Nacional de Comunicações]", disse-me uma colega alfacinha. "Comigo só deu certo enviando uma série de e-mails ao conselho administrativo", relatou um alemão. "Só xingando no Twitter e no Facebook", recomendou uma espanhola, enquanto uma amiga algarvia foi categórica: "Precisas de ligar para lá e dizer que és jornalista." Lá pelo décimo de contactos telefónicos, informei à pessoa que me atendeu que gostaria de cancelar o meu contrato. Fui informada de que precisava fazer o meu pedido através do site. Pedi que ela entendesse que isso não seria possível, uma vez que o motivo do cancelamento era justamente esse: a empresa estava a falhar no fornecimento de internet. Tudo isso em vão: a senhora foi irredutível.

A meio e após tantas recomendações e já desesperada diante da privação de todas as formas de comunicação que são a matéria-prima do meu trabalho, resolvi consultar um advogado. A nossa conversa foi elucidativa. Percebi que assinar um contrato de telecomunicações em Portugal é praticamente como vender a alma ao diabo.

Em troca do serviço, sou amarrada a uma série de exigências contratuais. Um pesadelo jurídico em que uma simples alteração de morada pode levar a uma nova fidelização de dois anos. Descobri também que, além de tempo, a linha de "apoio" ao cliente da minha operadora portuguesa me fez igualmente perder dinheiro, já que as ligações são tarifadas. A questão é que, além de extremamente desagradáveis no atendimento, a música de espera repetitiva e as dezenas de vezes em que tive de repetir o meu NIF, as chamadas acabaram por ser financiadas por mim.

Na minha busca por alguma orientação sobre o que fazer, também me deparei com inúmeros programas de televisão dedicados ao tema - até com entrevistas a especialistas que ensinam os consumidores a defenderem-se das artimanhas usadas pelas empresas para fazer cobranças indevidas ou alterações contratuais duvidosas.

Ora, se todos conhecem o problema, porque nada é feito?

Trata-se de uma situação bizarra do conhecimento dos cidadãos, das autoridades e dos órgãos de defesa do consumidor, mas que parece simplesmente ser aceite como algo tão inevitável quanto os impostos.

No Brasil, as empresas de telecomunicações não são um modelo de eficiência ou de boas práticas, mas há mais de uma década que estão submetidas a uma legislação que previne abusos deste tipo: a fidelização máxima, por exemplo, é de 12 meses. Do outro lado do Atlântico, também já é proibida a venda de aparelhos de telemóvel bloqueados, entre outras práticas "lesa-carteira" com as quais nos deparamos por aqui.

Na semana passada, quando finalmente o técnico da companhia marcou a visita à minha casa, senti-me como uma criança à espera do Pai Natal. Contei os segundos para a sua chegada e até fui à janela acompanhar a sua deslocação. As empresas de telecomunicações em Portugal mexem com as nossas emoções.

Jornalista brasileira

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