O percurso de Carlos Barretto: da clássica ao improviso

O percurso do contrabaixista esteve em discussão na noite de quarta-feira no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, no âmbito do ciclo "Histórias de jazz em Portugal".
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Foi com Carlos Barretto que se iniciou na noite de quarta-feira, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, mais uma sessão do ciclo "Histórias de jazz em Portugal", da autoria de António Curvelo e Manuel Jorge Veloso. Mas dada a formação clássica do contrabaixista, a conversa do músico com os organizadores começou com a escuta da Suite Inglesa n.º 5, de Bach, interpretada por Glenn Gould que, segundo Barretto, "foi uma pedra fulcral" na sua "formação como músico".

O facto de ter tido uma infância repleta de música muito diversificada, graças aos discos que o pai punha a tocar, certamente contribuiu para que, anos mais tarde, a sua abordagem ao jazz se tenha vindo a caracterizar também por essa liberdade face a espartilhos musicais, como lembrou. "Sempre ouvi jazz, música popular brasileira, clássica, erudita... Sendo que no jazz ia de Louis Armstrong a Ornette Coleman."

Fulcral no seu percurso, como é óbvio, foi o lançamento do seu primeiro álbum como líder, Impressões, editado em 1994 e gravado com quinteto, e do qual se ouviu o tema Song for Diana. Como Manuel Jorge Veloso referiu, esse disco é hoje "um caso de estudo nas escolas portuguesas", algo que deixou Carlos Barretto "estupefacto". "Foi um disco que correu muito bem, sem problemas técnicos, correu tudo sobre rodas", disse.

O seu álbum a solo, apropriadamente intitulado Solo Pictórico (2002), cuja música tem uma relação intrínseca ao seu trabalho enquanto pintor amador, também esteve em cima da mesa, mas, como Carlos Barretto salientou, "tocar sozinho é uma responsabilidade muito grande".

Outro dos marcos do seu percurso é também o trio que lidera, do qual fazem parte Mário Delgado (guitarra) e José Salgueiro (bateria). Juntou-se aos músicos em 1997, numa altura em que queria estabelecer "uma rutura face ao jazz mainstream", e como ambos mostravam uma grande abertura de ideias, já que "tocavam música popular portuguesa, pop, música de vanguarda", encontrou neles os parceiros ideais.

O trio mantém-se até hoje uma das formações mais estáveis e duradouras da história do jazz português. O grupo teve uma primeira "encarnação" como Suite da Terra, nome com o qual gravaram o seu primeiro álbum, do qual se ouviu Let's Goa. Ainda assim, Barretto não deixou de se mostrar crítico face a esse trabalho: "Acho que abusei na mistura de tantas coisas, de tantas referências".

Mais tarde o trio ganhou o nome Lokomotiv. "Com o passar dos anos a nossa cumplicidade e entendimento vai aumentando e há situações em que é quase telepático", explicou.

Os álbuns Radio Song (de 2002, que contou com a participação de Louis Sclavis) e Labirintos (de 2010 e o seu último até à data) também integraram esta conversa, mas Carlos Barretto acabou por confessar que sente cada vez menos um impulso para compor: "Estou a sentir que me apetece escrever cada vez menos e dar mais lugar à improvisação".

Entre as referências musicais que o contrabaixista "levou" até Guimarães, mencione-se Charles Mingus, de quem já sabia solos de cor aos sete anos, e Miles Davis, cujo Bitches Brew (1970) foi um disco que muito o marcou, como contou.

Depois da conversa, seguiu-se a atuação de um combo de seis músicos do Conservatório de Música da Jobra (em Albergaria-a-Velha), com direção musical de Demian Cabaud, que se centrou no repertório de Carlos Barretto. A formação passou por várias fases do trabalho do músico. Por exemplo, do álbum Olhar (editado em 1999), o grupo interpretou os temas Sweet House e Olivais. Já de Going Up (disco lançado em 1996) foi recuperado no final a composição A Pedra. Este combo era constituído por Pedro Fragas e Henrique Xará (nas guitarras), João Gil Pinto (na bateria), Hugo Sobral (no contrabaixo), Sócrates Bôrras (no saxofone) e Jennifer Garrido (na voz).

Esta quinta-feira as "Histórias de jazz em Portugal" continuam com uma conversa entre os autores do ciclo e os convidados Bruno Santos, André Carvalho e Paulo Gil, seguindo-se depois o concerto de Carlos Barretto que ao seu trio juntará o saxofone do novato Ricardo Toscano.

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