Não sendo o Estado da Nação o mais sexy dos debates, dou por mim a olhar para o título de uma reportagem onde se diz que nós, os humanos, temos cada vez menos sexo, um sobressalto bem maior que uma comissão de inquérito ou que uma busca domiciliária para consumo das televisões. Pelos vistos, menos sexo é o que acontece nos países mais desenvolvidos, esses onde ainda se fazem estudos fiáveis. Entre nós, é mais conversa que estudo, tirando aquele mais recente, no âmbito de um mestrado da Universidade Lusófona, onde 48% dos nossos compatriotas refere ter atividade sexual todas as semanas, e um em cada cinco confessa ter "um problema"..Se aquelas 1624 pessoas inquiridas, com idades compreendidas entre os 18 e os 83 anos, sendo que a idade média de quem participou é de 40 anos; se aquelas pessoas falaram verdade, vá lá, enfim, estamos dentro da média conhecida, mas em decadência. Aliás, uma outra investigação realizada nos Estados Unidos revela que, nas últimas décadas, a média anual de relações sexuais caiu de 62 para 53, enquanto estudos semelhantes produzidos na Alemanha, Austrália e Finlândia corroboram a tendência em baixa, tal como os certificados de aforro ou uma bandeira sem vento..Cada um e cada uma saberão de si, mas pelos vistos não estamos melhor. E encontramos explicações para tudo: desde a sensação de inferioridade no desempenho próprio por comparação com a omnipresente e fantasiosa pornografia; à perplexidade masculina perante a crescente emancipação da mulher; da instabilidade no trabalho ou a falta de casa própria; ou ao aumento das depressões e ao abuso de alguns antidepressivos que baixam a libido. Tudo isto quando ainda outra investigação, com dados recolhidos em 53 países do mundo, revela que a fertilidade masculina tem vindo a deteriorar-se e que qualidade do esperma humano baixou para metade nos últimos 50 anos..Certeiro, James Baldwin, um falecido colega americano especialista em inventar frases para podermos citá-lo, dizia ter descoberto que o dinheiro é exatamente como o sexo: parece muito mais importante quando não se tem. Dirão muitos que o sexo move montanhas, mas parece que, na realidade, o desejo erótico anda tímido e volátil - como os salários. E acontece, por vezes, que ao incomodá-lo ele declara greve - como na CP. A própria palavra sexo está a bater em retirada. Onde antes se falava na distinção de sexos, hoje diz-se diferença de "géneros". É certamente uma tendência cuja origem remota encontramos no puritanismo vitoriano dos britânicos, durante o século XIX, quando as classes dominantes evitavam dizer sexo porque essa palavra estava contaminada pelo juízo hipócrita que a sua prática merecia. Para a substituir, escolheram o eufemismo gender, que um século depois chegaria ao português traduzido como "género"..O velho Aldous Huxley, do Admirável Mundo Novo, bem profetizava que "a castidade é a mais anormal das perversões sexuais", pelo que a todas essas ansiedades só faltava mesmo acrescentar as fantasias da moda, com a Inteligência Artificial (IA). Aliás, leio na mesma reportagem que há por aí uma miríade de novas aplicações de IA através das quais se podem ter relacionamentos amorosos em forma virtual. Entre umas e outras, enfim, o maior risco é o de deitarmos a perder, por desperdício, uma das mais completas, essenciais e democráticas alegrias do ser humano: a maravilhosa dádiva do encontro com um desejado corpo alheio - e se for amado, então, é o paraíso. Além de que, se for compartilhado, o sexo tem uma vantagem imbatível sobre o onanismo: conhecem-se pessoas, o que não é coisa pouca, neste mundo..Jornalista