O papel da costura no Portugal social dos anos 30

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A costura dava emprego a um número significativo de mulheres nos anos 30

Os números não deixam mentir. Nos anos 30, cerca de 82 mil mulheres trabalhavam na indústria de vestuário e calçado. Só havia mais mulheres activas na agricultura, actividade que era nesses anos a principal em Portugal, e nos trabalhos domésticos (incluindo criadas).

Um retrato do Portugal dos anos 30, que ficou bem expresso numa edição de 8 de Agosto de 1937 do Diário de Notícias. Numa fotorreportagem, o jornal pretendeu mostrar como passavam os lisboetas o Verão. Uns aproveitavam o sol para se banharem nas águas frias do oceano. Afinal estavam "trinta e cinco graus à sombra". Por isso, os comboios e as camionetas que "levam para as praias e termas da estremadura e do Norte multidões ofegantes de calor e ansiosas de diversão" enchiam-se.

Na cidade, a vida era outra. "À sombra dos quintos andares, a vida continua, embora com novas imagens: - Fatos de linho, a novidade sensacional da época, vestidos de seda estampada e de fantasia e, às vezes, quando é permitido, a mocidade em mangas de camisa." Nas ruas, a caminho do trabalho, as elegantes e "graciosas" costureirinhas, sempre na moda. "Com os seus vestidos leves e graciosas, as costureirinhas continuam a ir para o trabalho de todos os dias." E dizia-se mais: "Quem ama não dorme! Um rapaz que se levanta cedo para acompanhar a costureirinha que não pode veranear."

As costureirinhas fazem parte da Lisboa antiga. Os célebres filmes da já chamada época d'ouro do cinema português não as esquece. A Canção de Lisboa, um filme de José Cottinelli Telmo datado de 1933, tem como figura principal Alice, interpretada por Beatriz Costa. Filha do alfaiate Caetano (António Silva), Alice garantiu um lugar de destaque, comprovado hoje pelo Youtube, na galeria das músicas de cinema mais famosas com a Agulha e o Dedal.

A Canção de Lisboa foi, segundo a Wikipédia, o primeiro filme sonoro de longa-metragem totalmente produzido em Portugal. Foi produzido pela Tobis, cujo projecto das instalações foi concebido precisamente por Cottinelli, que era arquitecto, um ano antes de produzir A Canção de Lisboa. Já nos anos 50, mais precisamente em 1959, Manuel Guimarães realizou A Costureirinha da Sé. Não era, no entanto, um retrato de Lisboa. A Costureirinha da Sé é um filme do Porto, cidade onde Guimarães estudou Belas Artes. Na Cidade Invicta começou, também, a trabalhar como empregado de alguns cinemas, com funções de cartazista-publicista.

Estes eram tempos em que as costureiras desempenhavam um importante papel social. Os concursos de vestidos de chita, tão populares na altura, são hoje revividos em algumas localidades portuguesas. Do mundo das costureiras, temos hoje ainda a visão das máquinas de pedal. A Singer liderava, mas a Oliva fez-lhe frente. Foi nos anos 40 que a Oliva inaugurou a fábrica de máquinas de costura em S. João da Madeira. "Aceite como um meio de produção fundamental das classes mais pobres, proporcionou e sedimentou um ideário profissional de massas - a costureira. A difusão da máquina de costura Oliva assumiu, assim, uma importância social ímpar, tanto no continente como nas colónias portuguesas africanas, só possível através de uma sábia articulação entre o produto, e a sua publicidade - destacando-se a organização dos concursos do vestido de chita e os múltiplos pontos de venda que na sua maioria tinham formadoras só para estas máquinas", destaca o Instituto Português do Património Arquitectónico, a propósito do edifício industrial. A publicidade era já, então, importante para o sucesso do produto. Francisco de Almeida Grandella foi o grande percursor dos instrumentos publicitários. Mas também dos armazéns. Pelas suas mãos inaugurou-se, em 1907, em Lisboa, a versão portuguesa do parisiense Printemps. Em 11 andares podia comprar-se de tudo. Até que, em 1988, o incêndio do Chiado o destruiu por completo. Já não tinha o esplendor de outrora, já não era um ponto nevrálgico da capital.

De facto, continua o IPPAR, "a numerosa produção de máquinas de costura vai moldar o carácter e o sonho de muitas gerações que viam nesse objecto um meio de promoção social, formando-se centenas e centenas de costureiras por todo o Portugal e colónias".

Vivia-se na altura do Estado Novo e, por isso, no tal dia 8 de Agosto de 1937, o DN fazia manchete com a guerra de Espanha e "a grande vitória da aviação nacionalista sobre Santander", com as tropas de Franco a ocuparem "importantes posições" na frente de Teruel. Ao lado, na página, outra guerra, a que no Extremo Oriente opunha a China ao Japão. Era domingo. No dia anterior, um incêndio em Alcântara tinha colocado "dezenas de pessoas" sem abrigo.

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