O papel da academia no desenvolvimento do ecossistema empreendedor nacional
Nos últimos anos, o ecossistema empreendedor português tem vivido uma dinâmica sem precedentes. De acordo com a Startup Portugal, em 2021, a atividade do nosso ecossistema de startups representava já 1,1% do PIB do país, assegurando 25 000 empregos. Este foi também um ano recorde em matéria de financiamento, com a angariação de mais de mil milhões de dólares, sendo que o financiamento de startups portuguesas por fundos de venture capital aumentou 15 vezes, entre 2017 e 2021*. Corolário desta dinâmica empreendedora, o país chega ao final de 2021 com 7 unicórnios - representando um valor estimado de 15% do PIB nacional** - e com perspetivas de aparecimento de novos unicórnios.
Esta nova geração de startups vem também afirmar uma nova comunidade de empreendedores, com forte orientação internacional, altamente qualificada (segundo a IDC, 91% dos fundadores de startups em Portugal possui educação superior) e capacitada para posicionar as suas tecnologias e negócios no topo das cadeias de valor.
Esta realidade não pode ser dissociada da profunda transformação institucional que a academia portuguesa tem vivido ao longo das últimas décadas, que em muito tem contribuído para a afirmação do ecossistema empreendedor nacional. Neste domínio, destacaria três importantes contributos.
Em primeiro lugar, as instituições de ensino superior (IES) Portuguesas têm sido fundamentais para a formação de talento de reconhecido valor internacional. A este nível, destacam-se não só os esforços de atualização técnico-científica dos programas formativos, mas também os esforços para o desenvolvimento de competências específicas no domínio do empreendedorismo (tirando partido de ambientes de aprendizagem imersiva).
Em segundo lugar, a crescente internacionalização das IES transformou a academia num espaço privilegiado para promover a exposição internacional e a interculturalidade, "abrindo horizontes" aos futuros empreendedores através das múltiplas oportunidades de mobilidade internacional e diversas experiências de internacionalização "em casa".
Por fim, é importante destacar o esforço que várias IES têm feito, para se capacitarem nos domínios da inovação e do empreendedorismo. A academia portuguesa conta atualmente com estruturas altamente especializadas na transferência e valorização do conhecimento e dispõe de infraestruturas (e.g.: incubadoras) exclusivamente dedicadas ao acolhimento de projetos empreendedores intensivos em conhecimento. Apesar de haver ainda um longo caminho a percorrer, é já visível o impacto que estes investimentos podem ter na construção de ecossistemas empreendedores vibrantes e dinâmicos. Por exemplo, o Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto - UPTEC que agora celebra 15 anos, já apoiou mais de 650 projetos, acolhendo atualmente 133 startups, quase 40 centros de inovação e 21 empresas âncoras, que na sua totalidade asseguram cerca de 1900 empregos, a maioria dos quais qualificados***. Em 2019, esta comunidade empreendedora gerou um impacto no PIB nacional de 284M Euros, resultando na criação direta e indireta de mais de 6000 postos de trabalho.4 Estes números evidenciam o enorme potencial que a academia pode ter na dinamização de ecossistemas empreendedores de sucesso, alimentando a pipeline de startups nacionais, com capacidade de transformar conhecimento e resultados de I&D em soluções e tecnologias inovadoras, associadas a propostas de valor disruptivas.
É por isso fundamental investir na criação de condições para que as IES possam consolidar a sua missão nos domínios da inovação e empreendedorismo, afirmando-se como espaços colaborativos, abertos e capacitados para acolher uma comunidade empreendedora, comprometida com a identificação de soluções inteligentes e sustentáveis para os desafios da contemporaneidade. Para que este desígnio possa ser concretizado, é especialmente relevante promover a reflexão e o diálogo sobre o reposicionamento estratégico da academia e sobre os mecanismos e instrumentos que podem facilitar os percursos empreendedores em contexto académico. Apesar do bom desempenho já alcançado e bem patente nos números atrás referidos, é hoje mais relevante do que nunca atuar em duas frentes. Por um lado, importa dinamizar o aprofundamento dos programas de capacitação da comunidade académica. Por outro lado, urge promover uma reflexão séria e informada sobre os modelos de governação e as práticas de gestão universitária mais favoráveis ao empreendedorismo, debatendo abertamente questões como a exclusividade ou os mecanismos de reconhecimento das atividades de inovação e empreendedorismo na progressão das carreiras académicas.
* Segundo dados da consultora Startup Genome.
** https://www.eu-startups.com/2021/12/ portuguese-startups-in-2021-a-tale-of-sailors-and-reinvention/
*** Fonte: Relatório de Atividades da U.Porto 2021 4 Segundo um estudo supervisionado na Faculdade de Economia do Porto.
Nova Rubrica
Countdown to Web Summit 2022 é uma nova rubrica no Diário de Notícias, que antevê algumas das tendências que vão marcar o próximo encontro mundial de startups no final de outubro, em Lisboa. Até à semana do evento, estarão em análise as oportunidades e os desafios dos investidores, os exemplos inspiradores e as novidades que vão marcar a agenda dos empreendedores nacionais e mundiais. O palco passa por aqui, com a reflexão de especialistas numa nova série de artigos de opinião. O artigo hoje publicado tem a assinatura de Joana Resende, presidente da UPTEC e vice-reitora da Universidade do Porto.