O país mais pequeno da UE pôs de lado as diferenças para festejar feito de Metsola
Malta é o país mais pequeno da União Europeia, com apenas 315 quilómetros quadrados (três vezes o tamanho da cidade de Lisboa) e meio milhão de habitantes, elegendo seis eurodeputados. Destes, dois são do sexo feminino. E dois são eleitos pelo Partido Nacionalista (os outros quatro são do Partido Trabalhista, no poder na ilha). A conservadora Roberta Metsola é por isso a minoria dentro da minoria. Mas, desde esta terça-feira, é a presidente do Parlamento Europeu, que reúne 705 deputados que representam os quase 450 milhões de habitantes dos 27 países membros.
"É uma honra enorme que seja confiado a alguém de um país tão pequeno liderar uma das três principais instituições da União Europeia. Além do sentido de orgulho, também envia uma mensagem a todos os malteses de que podem alcançar algo grande. Quando olhamos para Metsola, ela foi eleita eurodeputada pela primeira vez em 2013 e em menos de dez anos tornou-se primeiro vice-presidente e agora presidente do Parlamento Europeu. É um feito imenso", disse ao DN o editor do site LovinMalta.com, Julian Bonnici, em Estrasburgo para a eleição histórica.
Metsola, que era a candidata do Grupo do Partido Popular Europeu (PPE, o maior no hemiciclo), foi eleita à primeira volta com uma maioria absoluta de 458 votos - a votação foi secreta, mas contava à partida também com o apoio do Grupo dos Socialistas & Democratas, dos liberais do Renew Europe e dos Conservadores e Reformistas Europeus (o polaco Kosma Złotowski retirou a sua candidatura antes da votação). A sueca Alice Kuhnke, do Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia, teve 101 votos, e a espanhola Sira Rego, candidata do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, teve 57. Dos 690 eurodeputados que votaram, 74 optaram pelo voto em branco ou nulo.
Tanto o presidente de Malta, George Vella, como o primeiro-ministro, Robert Abela, ambos do Partido Trabalhista, puseram de lado as diferenças e felicitaram Metsola. O primeiro falou de um "feito incrível", lembrando que esta é também "uma conquista muito importante" para o país, "que provou que se estiver unido, o nosso tamanho e geografia não são um obstáculo à visão e ao compromisso". Já Abela mostrou-se desejoso de poder trabalhar "nas prioridades mútuas" com a nova líder do Parlamento Europeu. O líder da oposição, Bernard Grech, não escondeu o seu orgulho e emoção: "Deste à luz uma nova esperança", escreveu nas redes sociais.
"Malta tem um contexto político muito único. Temos dois grandes partidos, que basicamente se desprezam um ao outro", lembrou Bonnici. "Para as pessoas do Partido Nacionalista, ela é uma heroína e é uma voz liderante também a nível nacional", referiu, acrescentando que muitos estão desejosos que regresse e possa tornar-se na líder do seu partido. "Mas no que diz respeito ao Partido Trabalhista ela tem sido muito ostracizada", acrescentou, indicando que isso vem da atitude do ex-primeiro-ministro Joseph Muscat e do trabalho que Metsola fez como porta-voz do PPE para o tema do estado de Direito, após o assassinato da jornalista maltesa Daphne Caruana Galizia. "Muscat teve uma atitude muito antagonista com ela, apelidou-a de traidora por fazer esse trabalho, e isso obviamente escorreu para o eleitorado", disse o jornalista.
"Mas nas semanas até à eleição houve um pouco o estender de um ramo de oliveira entre o primeiro-ministro e ela. E hoje ainda havia algumas pessoas a chamá-la de traidora nas redes sociais, mas a maioria das pessoas estão orgulhosas", explicou.
DestaquedestaqueAlém do Parlamento Europeu, outras duas instituições europeias estão nas mãos de mulheres: a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu.
Sobre Metsola ser contra o aborto, o facto mais referido nesta eleição, Bonnici disse que ele é pessoalmente pró-escolha, "mas a maioria dos malteses são pró-vida", falando em cerca de 80% da população. Malta é o único país na União Europeia onde o aborto é totalmente ilegal. "Nesse aspeto, ela representa a grande maioria dos malteses", acrescentou, dizendo que na sua opinião, "apesar de os eurodeputados malteses tomarem uma posição pública contra o aborto, isso pode não refletir uma posição pessoal. São quase forçados pelo eleitorado a tomar essa posição". Contudo, deixou claro que não sabe se é esse o caso. "Só sei o que diz publicamente e publicamente é contra o aborto", referiu. A própria Metsola reiterou numa conferência de imprensa que, enquanto presidente do Parlamento Europeu, vai defender a posição do Parlamento Europeu, seja ela qual for.
Aos 43 anos (feitos esta terça-feira), Metsola é a mais jovem presidente de sempre do Parlamento Europeu, além de ser apenas a terceira mulher no cargo - depois das francesas Simone Veil (1979-1982) e Nicole Fontaine (1999-2002). "Há 22 anos, Nicole Fontaine foi eleita, 20 anos depois de Simone Veil. Não passarão mais duas décadas até a próxima mulher estar aqui", disse no seu discurso após a vitória
Além do Parlamento Europeu, outras duas instituições europeias estão nas mãos de mulheres: a Comissão Europeia, nas da alemã Ursula von der Leyen, e o Banco Central Europeu, nas da francesa Christine Lagarde. As três do PPE.
No seu discurso, Metsola defendeu também a necessidade de fazer com que os cidadãos europeus readquiram o entusiasmo pelo projeto europeu. E lembrou o antecessor, que morreu na semana passada (a eleição desta terça-feira não estava relacionada, já estava prevista para a segunda metade do mandato). "Honrarei David Sassoli enquanto presidente, defendendo sempre a Europa, os nossos valores comuns de democracia, dignidade, justiça, solidariedade, igualdade, Estado de direito e direitos fundamentais."
A jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu.