"O país deve levar a cultura a todos para promover o pensamento crítico"
Primeiro andou enganado em Engenharia, depois em Novas Tecnologias da Comunicação. Quando deu por si, era músico profissional. Jorge Loura, de 39 anos, cresceu no meio de músicos - mãe amadora e pai semiprofissional -, pelo que "não havia hipótese de fugir". Aos 7 anos estava numa escola de música a aprender flauta, órgão, piano. Aos 12 virou-se para a guitarra. Cinco anos mais tarde, já dava aulas na escola onde deu os primeiros acordes. Teve desde cedo contacto com as artes e a cultura, mas sabe que essa não é a realidade de muitos portugueses. "Mais do que permitir o acesso à cultura, porque há sempre o argumento de que ele existe, o país deve levar a cultura a todos para promover o pensamento crítico."
Na opinião do músico aveirense, Portugal precisa de "educação e cultura". Acredita que "isso ajudaria a resolver todos os outros problemas", porque "é o que nos leva a ter pensamento crítico". Embora exista hoje mais educação, "ninguém é ensinado a questionar". Defende que a cultura deve ir ao encontro de todos os portugueses, independentemente das classes sociais ou do sítio onde moram. "Teoricamente, todos têm o mesmo acesso, até dentro das cidades. Na teoria, o miúdo do bairro pode ser inscrito numa escola de música, de teatro ou de ballet, mas isso não acontece." Há projetos, exemplifica, que levam a música aos bairros sociais. "Veem-se resultados. E não só nos miúdos que vão para o conservatório. São experiências que ficam para sempre. Os que normalmente não têm acesso, quando o têm, abraçam o que lhes é dado." O mesmo se passa nas prisões, onde já teve a oportunidade de levar um projeto de música comunitária.
Recebe-nos no estúdio, entre guitarras e ao som do californiano Thundercat. Tem projetos de música original, toca com algumas bandas e dá aulas de guitarra em Aveiro e no Porto. Há quase vinte anos que ensina música. Diz que as crianças estão "esfomeadas por coisas novas e que as façam crescer". No entanto, lamenta, os cérebros estão a ser alimentados por reality shows e programas sem conteúdo. "Há quem tenha responsabilidade e não esteja a fazer a sua parte. O cérebro precisa de boa alimentação." Essa responsabilidade, prossegue, é de todos. "De quem está na indústria do entretenimento e dos media. Dos produtores de conteúdos, que têm de dar o melhor."
Fala na regulação do que é posto à venda na área do entretenimento, mas tem a noção que a regulação "também é uma coisa perigosa", porque "a linha que vai do bom senso à censura é muito ténue". Contudo, frisa, "se acharmos que é fascismo ou censura cuidar do que é dado ao cérebro, também temos de achar que o é reduzir o sal ou o açúcar na comida".
Vive embrenhado na música, adora dar aulas e quer ter liberdade para fazer a sua própria música, razão pela qual nunca equacionou ensinar em escolas públicas. "Nunca tive um contrato na vida." E como é que é ser músico em Portugal? "Antigamente havia a ideia dos empregos para a vida. Uma pessoa entrava e tinha segurança para sempre, enquanto ser músico era uma coisa mais instável. Hoje tudo é instável. Não sei se foi a vida de artista que melhorou, se foi tudo o resto que piorou. Não é muito diferente do resto. É preciso andar constantemente à procura de trabalho, mas nas outras áreas também."
Pessimista "por defeito", Jorge diz que "aparentemente, as coisas estão melhores" desde que a troika foi embora, mas questiona "se aprendemos alguma coisa com os erros". Quer acreditar que sim. "Espero que não se repitam obras faraónicas, estádios." Também acredita que Portugal podia ter feito "melhores negócios", mas, de uma maneira geral, sente-se agora "outro ambiente". "As pessoas estão mais felizes e com mais vontade de fazer coisas. Estamos melhor." Lamenta, porém, que no meio do caos que o país viveu não tenha surgido "um novo movimento político ou cultural".
Se cada um tomasse mais atenção ao que está ao seu lado, o músico acredita que a economia podia melhorar. "Não ir necessariamente comprar as coisas aos mesmos sítios. Estar atento ao que se passa na mercearia, na tasca do lado, no café que tem música ao vivo, no bar que tem uma exposição de arte. Isso está à nossa disposição todos os dias. Não estou a falar de macroeconomia, mas podemos ter algum cuidado a nível pessoal", sugere.
Quanto ao futuro do país, Jorge Loura não perspetiva grandes mudanças. "Como canta o Sérgio Godinho: Cá se vai andando. C"o a cabeça entre as orelhas." Diz que esta é um pouco a mentalidade dos portugueses. ""Enquanto puder comer, tudo bem". Quando isso faltar, as pessoas revoltam-se, mas se for dois bairros ao lado, já não há problema nenhum." A sociedade vive num "equilíbrio estranho, que por um lado é mau, pelas razões óbvias, mas por outro nunca nos vai permitir cair em extremismos". Diz que "já elegemos muita coisa má", mas acha "que nunca seríamos capazes de eleger um Trump ou estar perto de eleger uma Le Pen. Com todos os nossos defeitos, ainda somos equilibrados".