"O país deve atrair imigrantes porque precisa de mais gente"
A mercearia de Manuel Sérgio é daquelas à antiga. Emana uma mistura de cheiros a legumes, frutas, enchidos e queijos. Há pouco espaço para se circular no único estabelecimento da Rua Eduardo Brazão, em pleno centro de Reguengos de Monsaraz, mas é assim que os clientes se sentem em casa. Até podem falar dos filhos e netos, das novelas, do futebol e da política. Sem pressas, mas com respeito. Por aqui todos se conhecem, pelo nome e pela alcunha, mas vão sendo cada vez menos à medida que a lei da vida se cumpre. "Precisamos de jovens que levem isto para a frente, porque o Interior corre riscos", alerta Manuel Sérgio, que além de comerciante ganhou a pulso o epíteto de poeta de popular da terra.
"Todos já sabemos que Portugal tem um povo extraordinário, mas chegou a hora de pensarmos na regeneração", avisa Manuel Sérgio, para quem, perante a onda de despovoamento que percorre o Interior e a quebra acentuada do número de nascimentos dos últimos anos, lança a sua ideia para fintar o atual estado de coisas: "O país deve atrair imigrantes, porque precisa de mais gente. É decisivo rumo ao futuro ter pessoas nas cidades ou aldeias", explica, admitindo que o acolhimento de estrangeiros "vai ajudar a construir esta terra".
É a pensar neste desígnio que ousa abrir totalmente as portas, sobretudo, aos refugiados, justificando que teriam uma "integração fácil" em meios mais pequenos, onde a vida rural ainda predomina. "É gente que foge da guerra e nós temos amor e paz para lhes oferecer", garante, sem perder de vista a necessidade de explicar as "leis, costumes e credos" de Portugal a quem chega de outras paragens. "Nós sempre fomos para fora, estivemos em todo o lado, descobrimos novos mundos. Porque não sermos nós agora a acolher pessoas para trabalharmos juntos? Há tanto para fazer", diz.
A veia poética que o celebriza por Reguengos de Monsaraz está estampada, com um poema dedicado às "pedras", na mesma fachada do edifício onde Manuel Sérgio tem a mercearia. Perante os quase 40 graus que se têm feito sentir, a loja mantém as portas fechadas por causa do ar condicionado, mas nem precisa de pôr o aviso cá fora, porque todos os clientes sabem que está de serviço. Como sempre, aliás.
É agora na rua que mostra o largo onde em tempos brincavam as crianças. "Hoje são muitas menos", lamenta, para sublinhar a incapacidade da população de se renovar, como vem sendo denominador comum ao Interior, apesar de Reguengos ter o privilégio de exibir uma economia à parte, juntando a produção de vinho, o património e mais recentemente o potencial gerado por Alqueva que até viabilizou a criação de uma praia com bandeira azul e que está a conquistar a simpatia de milhares de turistas logo nos primeiros dois meses de existência.
"Cá está. É a prova de que temos condições para receber pessoas e dar o salto. Agora é a hora", diz, enquanto reclama "políticos honestos" habilitados a defender "realmente o interesse público e a perceberem a importância de atrairmos novos povos", insiste o merceeiro que também tem puxado pela cultura da cidade e que, por via disso, foi durante tempos recentes afetado duplamente pelo aperto do garrote da troika. É que se o comércio perdeu clientes face ao clima de austeridade, também a cultura foi penalizada.
"Os meus clientes cortaram nas despesas e a faturação caiu, enquanto as câmaras, juntas de freguesia e promotores de espetáculos encolheram os orçamentos. Foi tão mau que ficou provado que a troika não fazia cá falta nenhuma", diz.Manuel Sérgio recorda os tempos "azedos" em que as pessoas se apresentavam "sem os habituais sorrisos e mais cabisbaixas. Havia, de facto, uma depressão quase coletiva", acrescenta, testemunhando casos concretos de homens e mulheres mais próximos da sua casa que passaram a viver "muito acabrunhados" com falta de dinheiro. "Conheço quem sempre viveu bem, e muito bem, mas nestes tempos teve de descer às catacumbas para conseguir sobreviver. Foi duro."
Mas os novos dias são de esperança. A sua mercearia voltou a recuperar movimento e os convites para os espetáculos também entraram em retoma. "Ainda agora vimos que o desemprego voltou a baixar. O país voltou a respirar e isso pôs alegria na cara das pessoas, o que já é muito importante", constata, embora continue preocupado com alguns amigos de sempre a quem a austeridade continua a fazer a mossa.
Foi gente a quem a crise levou o emprego, a casa e deixou feridas que estão a custar a sarar, salienta Manuel Sérgio. E o comerciante volta a recorrer ao exemplo da sua mercearia em Reguengos de Monsaraz como uma espécie de barómetro do sobe e desce da economia que por aqui se faz. "Da minha janela vejo o mundo. Apesar de o espaço ser pequeno, dá para perceber as tendências e o problema que foi gerado pelo desaparecimento de algumas atividades empresariais."